Kongjian Yu, o pai das cidades-esponja, morre no Pantanal

noticias
Artigos Relacionados

📚 Continue Lendo

Mais artigos do nosso blog

A trágica morte de Kongjian Yu, o renomado arquiteto chinês e idealizador do conceito das ‘cidades-esponja’, foi confirmada na quarta-feira, 24 de setembro. O urbanista, decano da prestigiada faculdade de arquitetura e paisagismo da Universidade de Pequim, estava a bordo de uma aeronave que caiu na área rural de Aquidauana, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, vitimando também outras três pessoas.

Yu, considerado um dos mais influentes urbanistas de sua nação, havia chegado ao Brasil para uma série de compromissos importantes. Sua agenda incluía a participação na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo 2025 e a gravação de um documentário sobre o seu inovador trabalho. Fontes próximas ao arquiteto revelaram seu profundo interesse em explorar o Pantanal, buscando inspiração e conhecimentos que pudessem enriquecer e aprimorar ainda mais o desenvolvimento de suas técnicas sustentáveis.

Kongjian Yu, o pai das cidades-esponja, morre no Pantanal

A visão por trás das cidades-esponja, técnica pioneira idealizada por Kongjian Yu, propõe uma abordagem radical para a gestão hídrica em áreas urbanas. Diferentemente dos métodos convencionais que buscam canalizar e combater o excesso de água, este conceito abraça a natureza, utilizando vegetação e redes hidrográficas para revitalizar paisagens e mitigar os efeitos de eventos climáticos extremos, como inundações severas.

A Inovação das Cidades-Esponja: Um Paradigma Verde

A filosofia central das cidades-esponja é transformar o ambiente urbano para que ele possa absorver, reter e liberar a água de forma natural, em vez de repeli-la. Em vez de erguer barreiras de concreto e redes de drenagem rápida, Yu preconizava a criação de infraestruturas verdes que mimetizam as funções naturais de uma esponja. Essa abordagem demonstrou ser eficaz em diversas cidades, com aplicações bem-sucedidas em projetos na China, Tailândia, Indonésia e Rússia, inspirando urbanistas em todo o globo.

“Não se pode lutar contra a água. É preciso deixá-la escoar”, afirmava o arquiteto em uma entrevista à BBC em 2021. Essa citação encapsula a essência da estratégia, que se baseia em três pilares fundamentais. O primeiro é a retenção imediata da água no ponto de impacto, através de vastas áreas permeáveis e porosas. Isso inclui a implementação de lagos e açudes artificiais, alimentados por canos ou naturalmente, que servem para conter o volume da chuva. Complementarmente, telhados e fachadas verdes, juntamente com valas dotadas de camadas de solo altamente permeável, são empregados com o mesmo propósito.

O segundo pilar envolve a gestão e desaceleração do fluxo hídrico. Em vez de canalizar a água em linhas retas para longe, o projeto de Kongjian Yu advoga pela criação de rios e córregos tortuosos, repletos de vegetação, e pela formação de várzeas que atuam como amortecedores naturais, diminuindo a velocidade da correnteza. Finalmente, a terceira estratégia busca adaptar o planejamento urbano para incluir áreas projetadas para serem alagadas, permitindo que a água se disperse sem causar prejuízos ou destruição às estruturas da cidade.

Impacto Global e Adoção por Governos

O reconhecimento do potencial das cidades-esponja atingiu o mais alto escalão político. Em 2015, o presidente chinês Xi Jinping lançou oficialmente o “Programa Cidade-Esponja”, um incentivo nacional para que as metrópoles adotassem infraestruturas verdes em detrimento das “soluções cinzas”, baseadas em cimento e asfalto. Kongjian Yu foi consultor chave nessa iniciativa, contribuindo para a construção de centenas de “parques-esponja” pelo país.

Entre os projetos de destaque está o Houtan Park, em Xangai. Desenvolvido sobre uma antiga área industrial, esse cinturão verde de quase dois quilômetros ao longo do rio Huangpu integra terraços cultivados com bambu, ervas e gramíneas nativas. Passarelas de madeira serpenteiam entre lagoas e pântanos, criando zonas úmidas que não apenas filtram a água e controlam o fluxo do rio, mas também promovem um habitat fértil para aves aquáticas e diversas espécies de peixes.

Kongjian Yu, o pai das cidades-esponja, morre no Pantanal - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Fora da China, o impacto de Yu é igualmente notável. Um dos seus projetos internacionais de grande visibilidade foi o Parque Florestal Benjakitti, em Bangkok, Tailândia. Inaugurado em 2022 em um espaço que outrora abrigava uma fábrica de tabaco, o parque se estende por mais de 400 mil metros quadrados, apresentando um complexo labirinto de lagos, árvores e ilhas, exemplificando a versatilidade e aplicabilidade global de sua visão.

A Visão de Kongjian Yu para o Brasil

Kongjian Yu sempre defendeu a aplicabilidade de suas técnicas no Brasil, um país com uma rica biodiversidade e muitas áreas naturais, que, em suas palavras, “se daria muito bem com elas” ao proporcionar “mais espaço para a água escoar”. Essa percepção era especialmente pertinente, visto que o Brasil registrou 7.539 desastres climáticos entre 2020 e 2023, muitos deles desencadeados por chuvas intensas e as subsequentes inundações, como as que assolaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024. Após esses eventos, ele reforçou, em entrevista à BBC Brasil, que “as cidades-esponja são uma solução para climas extremos, onde quer que eles estejam”.

A visita de Kongjian Yu ao Brasil estava repleta de interações com o cenário arquitetônico e urbanístico local. Ele marcou presença na abertura da Bienal de São Paulo na sexta-feira, 19 de setembro, onde exibiu projetos que encarnam o conceito de cidades-esponja. Adicionalmente, participou da Conferência Internacional do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) em Brasília, no início do mesmo mês, destacando sua relevância no debate sobre o futuro das cidades no país.

Durante as filmagens de seu documentário em São Paulo, Yu visitou importantes pontos verdes, como o Parque Linear Tiquatira, o maior da cidade, localizado entre os distritos da Penha e do Cangaíba. O vereador e arquiteto Nabil Bonduki, que o acompanhou na ocasião, testemunhou o entusiasmo de Yu em aprender sobre os desafios e oportunidades das áreas naturais brasileiras frente à “arquitetura cinza”. A perda do urbanista foi classificada por Bonduki como “irreparável”, salientando que o trabalho de Yu seria “fundamental” para o Brasil, especialmente após as graves enchentes registradas na capital paulista, demonstrando seu impacto potencial na gestão de crises climáticas urbanas.

A partida prematura de Kongjian Yu, que viajava ao lado dos cineastas Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz e Rubens Crispim Jr., bem como do piloto Marcelo Pereira de Barros — todos vítimas do acidente no Pantanal — representa uma perda inestimável para o urbanismo e o debate sobre soluções climáticas globais. A investigação das causas do acidente permanece em curso, enquanto seu legado visionário nas cidades-esponja continua a inspirar uma nova era de desenvolvimento urbano mais resiliente e harmonioso com a natureza. Para se aprofundar nas discussões sobre urbanismo sustentável e desafios climáticos que afetam nossas cidades, explore outras notícias e análises em nossa editoria de Cidades.

Crédito da foto: TURENSCAPE


Links Externos

🔗 Links Úteis

Recursos externos recomendados

Deixe um comentário