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As montanhas da província de Hubei, na região central da China, abrigam uma história de recuperação ambiental marcante, onde uma população de macacos-dourados-de-nariz-arrebitado (Rhinopithecus roxellana) conseguiu reverter sua trajetória de declínio para um futuro promissor. Antes da década de 1980, as densas florestas de Shennongjia eram palco de caça indiscriminada por carne e pele desses primatas, e a ação de agricultores, em sua luta pela sobrevivência, levava ao desmatamento massivo de áreas cruciais. A combinação desses fatores drásticos fez com que a quantidade de exemplares da subespécie na natureza caísse para um número alarmante, atingindo menos de quinhentos indivíduos.
Foi nesse cenário de crise ambiental que o pesquisador Yang Jingyuan, então com pouco mais de vinte anos, chegou à região em 1991. Ele testemunhou em primeira mão os efeitos devastadores da exploração madeireira, que minava rapidamente os habitats naturais e a população dos macacos. Segundo o próprio cientista, “A exploração madeireira destruía o habitat, e a população de macacos diminuía rapidamente. Com a proteção da área, o número de macacos voltou a crescer”. Hoje, Yang Jingyuan, que agora tem 55 anos, é considerado a principal autoridade sobre a espécie, e dirige o Instituto de Pesquisa Científica do Parque Nacional de Shennongjia, dedicando sua vida profissional ao estudo e à preservação da subespécie, que é única naquelas montanhas chinesas.
A imersão profunda do professor em seu objeto de estudo o levou a desenvolver uma compreensão quase única dos macacos-dourados-de-nariz-arrebitado. Durante uma visita à floresta com a BBC, ele revelou ter decifrado parte dos ruídos emitidos pelos animais. Sons como “Yeeee”, por exemplo, sinalizam que o ambiente é seguro e que os outros membros do grupo podem se aproximar. Já o alerta “Wu-ka” indica a presença de perigo iminente e a necessidade de cautela. Em um momento que demonstrou essa profunda conexão, o próprio professor emitiu diversos desses sons enquanto os macacos desciam das árvores, aproximando-se, interagindo com toques e gestos com os observadores humanos, numa demonstração de confiança mútua construída ao longo de anos.
Estrutura Social e Vida no Habitat Natural
Os macacos-dourados-de-nariz-arrebitado exibem uma estrutura social complexa e fascinante, explicou o professor Yang enquanto os primatas pulavam no colo da equipe, explorando a curiosidade inata de suas vidas. A organização de seus grupos é intrincada: um macho domina como chefe de um grupo familiar, composto geralmente por três a cinco fêmeas e seus respectivos filhotes. Essas unidades familiares se agregam, formando bandos maiores que podem superar cem macacos, demonstrando a robustez de suas relações interpessoais e de seu sistema comunitário.
A vida social da espécie não é destituída de desafios. Machos solteiros formam grupos próprios, por vezes atuando como sentinelas, patrulhando as proximidades dos bandos maiores e desempenhando um papel defensivo. As fêmeas, por sua vez, podem estabelecer laços fora de sua família imediata, o que em certos contextos pode gerar tensões e conflitos. Esses embates não se manifestam apenas quando um macho se propõe a substituir o chefe de um grupo, mas também se evidenciam em disputas territoriais intensas entre diferentes tribos de macacos. A complexidade dessas interações sublinha a dinâmica sofisticada que governa a vida dos macacos-dourados-de-nariz-arrebitado.
Um mecanismo biológico notável entre as fêmeas da espécie é o conhecimento instintivo de quando devem abandonar seu grupo familiar para buscar novas famílias, prática que ocorre por volta dos seis anos de idade. Essa mudança, que pode parecer dramática, serve a um propósito crucial: evitar a endogamia, assegurando a diversidade genética da população e, assim, fortalecendo a espécie a longo prazo. O ciclo de vida desses animais estende-se por aproximadamente 24 anos. Observações de guardas florestais também sugerem que, próximo ao fim da vida, os macacos parecem reconhecer o momento derradeiro. Eles se afastam em busca de locais solitários e pacíficos, partindo sozinhos. A tal ponto são isolados esses lugares que, ao longo de décadas de pesquisa, nunca foi encontrado o corpo de um macaco morto nessas montanhas, revelando uma peculiar e comovente ritualística.
De Caça e Desmatamento a Guardiões da Floresta
Embora o Parque Nacional de Shennongjia tenha sido estabelecido já em 1982, o testemunho de Fang Jixi, um guarda florestal de 49 anos que cresceu na região, elucida que o caminho para a proteção efetiva do meio ambiente foi árduo e levou anos para ser consolidado. Agricultores locais, vivendo em condições de pobreza e lidando com a ameaça real da fome, não possuíam, em princípio, uma compreensão ou prioridade para a proteção da vida selvagem. Fang Jixi relatou: “As pessoas eram muito pobres nessas montanhas e a fome era uma preocupação real. Não existia a noção de proteger animais silvestres”.
Mesmo após a implementação de proibições à exploração madeireira, a derrubada ilegal de árvores e a caça clandestina persistiram como meios de subsistência. A escassez de recursos e a ausência de alternativas econômicas criavam um ciclo de destruição. O guarda florestal ressaltou que a mudança de comportamento dos agricultores locais só ocorreu após um “longo processo de conscientização”. Uma parte essencial dessa transformação envolveu uma estratégia inovadora: em vez de serem vistos como agentes de destruição, os próprios agricultores foram incorporados como protetores da floresta.
“Quando a mudança ocorreu, foram os cientistas que disseram: vocês podem trabalhar conosco. Podem ter um emprego aqui ajudando os animais”, afirmou Fang. Essa iniciativa ofereceu uma solução de longo prazo, transformando os moradores locais em colaboradores ativos na conservação. Atualmente, Fang Jixi faz parte de uma equipe dedicada que patrulha as montanhas de Shennongjia. A missão do grupo inclui a busca por caçadores e, fundamentalmente, a detecção de sinais da presença dos macacos, informação vital para os pesquisadores acompanharem seus padrões de sono, alimentação e reprodução. As patrulhas representam um elo crucial entre a comunidade local, o governo e a comunidade científica.
Encontrar os macacos nas vastas e densas copas das árvores, contudo, é uma tarefa desafiadora. Os primatas, dotados de uma agilidade excepcional, conseguem cobrir em questão de minutos distâncias que um ser humano levaria uma hora para percorrer a pé. Além da mobilidade, os macacos-dourados-de-nariz-arrebitado possuem uma inata aversão à aproximação humana. Historicamente, qualquer contato com pessoas poderia representar um risco direto à sua sobrevivência, reforçando a desconfiança e a necessidade de cautela ao longo das sua evolução. Reverter essa atitude natural e milenar exigiu um grande e metódico esforço de todos os envolvidos no processo de conservação.

Imagem: bbc.com
O Caminho para a Proximidade e a Recuperação Ambiental
O avanço decisivo nos esforços de preservação e pesquisa em Shennongjia materializou-se em 2005, quando o professor Yang Jingyuan e um grupo seleto de especialistas criaram uma equipe de pesquisa dedicada exclusivamente aos macacos-dourados-de-nariz-arrebitado. Um dos maiores desafios iniciais para a equipe foi estabelecer contato próximo e sem temor com um grupo específico desses primatas nas profundezas da floresta.
A tarefa de ganhar a confiança dos macacos não foi trivial; exigiu um ano inteiro de aproximação gradual e paciente. No começo, o medo dos animais era evidente: ao menor vislumbre da equipe a oitocentos metros de distância, fugiam imediatamente. No entanto, mês após mês, essa distância diminuiu progressivamente para quinhentos metros, depois para duzentos, até o ponto em que os macacos, finalmente, permitiram a presença constante da equipe em seu entorno. O professor Yang descreveu essa conquista com profunda emoção: “Fiquei muito animado porque, finalmente, eles se tornaram meus amigos. Podíamos estar juntos e nos comunicar todos os dias”, demonstrando o triunfo da perseverança científica e da compreensão animal.
A recuperação do ambiente natural onde vivem esses primatas é visivelmente atestada. Antigas fotografias da região, datadas dos primeiros anos de atuação da equipe do professor Yang, revelavam colinas consideravelmente desprovidas de árvores, com uma cobertura florestal que girava em torno de sessenta por cento. Hoje, com o auxílio de drones que sobrevoam as montanhas, relatórios indicam que a cobertura florestal atual alcança impressionantes noventa e seis por cento, evidenciando o sucesso das iniciativas de reflorestamento e proteção. A notável beleza dessa paisagem reabilitada tem sido um ímã para o ecoturismo, atraindo milhões de visitantes nos últimos anos. Contudo, apesar do fluxo turístico, as áreas vitais para a proteção dos macacos-dourados-de-nariz-arrebitado permanecem estritamente restritas apenas a funcionários autorizados, garantindo a tranquilidade e a segurança das populações animais.
A equipe guiou os visitantes por uma trilha sinuosa e irregular nas montanhas, rumo a uma dessas áreas de proteção controlada. Nesse percurso, foram instalados câmeras e equipamentos de transmissão que monitoram não só os macacos, mas também outras espécies notáveis que habitam Shennongjia, como ursos-negros e javalis, oferecendo uma visão holística da fauna local. De um mirante espetacular, os observadores podiam avistar um vale onde outrora existiam fazendas. Essas áreas, cruciais para o ecossistema, foram recuperadas por meio da transferência estratégica dos agricultores para novas localidades.
Posteriormente, o depoimento de um homem que fora agricultor nesse vale demonstrou a positividade das medidas governamentais. Ele expressou satisfação por ter abandonado sua vida remota e muitas vezes precária. Com o suporte financeiro do governo para a mudança, ele e sua família prosperavam na administração de uma pousada, demonstrando estarem consideravelmente mais felizes e satisfeitos com sua nova situação. A ação estratégica de remoção, que a princípio poderia gerar resistências, revelou-se benéfica tanto para a conservação quanto para o bem-estar social das comunidades locais.
Reprodução Lenta, Mas Futuro Otimista
Todo o esforço despendido pela equipe do professor Yang foi, e continua sendo, um caminho repleto de desafios. Uma das particularidades biológicas do macaco-dourado-de-nariz-arrebitado que exige paciência é a baixa taxa reprodutiva das fêmeas. Elas concebem apenas um filhote a cada dois anos, e nem todos esses nascimentos resultam em sobrevivência, o que naturalmente retarda o aumento populacional. No entanto, apesar dessas barreiras naturais, a dedicação contínua à proteção do habitat e à eliminação das ameaças resultou em um crescimento extraordinário: a população, que outrora era de menos de quinhentos animais, ultrapassou agora a marca de mil e seiscentos indivíduos.
Com base nos progressos atuais, as projeções são ambiciosas: a expectativa é que a população desses primatas alcance mais de dois mil exemplares dentro dos próximos dez anos. O professor Yang Jingyuan expressou um grande otimismo em relação ao futuro da espécie, reiterando a segurança e estabilidade alcançadas: “Estou muito otimista. A casa deles agora está bem protegida. Eles têm comida e bebida, não se preocupam com as necessidades básicas e, acima de tudo, sua população está crescendo.” Essa perspectiva reforça o sucesso da conservação e o papel fundamental que Shennongjia desempenha na proteção de uma das espécies mais raras e icônicas da China. O fato de esses animais únicos poderem hoje viver dessa forma em uma área protegida de quatrocentos quilômetros quadrados marca uma grande e vital diferença em relação ao passado, garantindo sua longevidade.
Com informações de BBC News Brasil
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