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A notável história de **Maria Branyas**, a mulher que atingiu a marca de 117 anos de vida e possuía uma idade biológica 23 anos mais jovem do que sua cronológica, oferece valiosos insights para a ciência. Reconhecida globalmente, Branyas, que em janeiro de 2023 se tornou a pessoa mais velha do mundo aos 115 anos e 321 dias, atraiu a atenção de pesquisadores que buscavam desvendar os mecanismos por trás de seu extraordinário envelhecimento.
Cientistas, como Manel Esteller, chefe do grupo de Epigenética do Câncer no Instituto de Pesquisa de Leucemia Josep Carreras, em Barcelona, expressaram seu fascínio pela oportunidade de estudar a supercentenária. Esteller relatou ter encontrado Branyas “muito gentil” e colaborativa em seu primeiro contato, e ela demonstrou uma clareza mental surpreendente durante a coleta de amostras e entrevistas para o estudo, que teve duração de três anos. A pesquisa aprofundada focou em compreender como suas células “pareciam” e “se comportavam” de maneira mais jovem, uma descoberta crucial publicada na revista *Cell Reports Medicine*.
Maria Branyas: Segredos da Longevidade e Idade Biológica
O laboratório de Esteller sempre se dedicou ao estudo do câncer, e a relevância de investigar o envelhecimento, dada a sua forte ligação com o risco de diversas doenças, é inegável. Nesse contexto, supercentenários como Branyas representam uma exceção vital: indivíduos que vivem por muito tempo mantendo uma saúde robusta. A investigação detalhada das amostras de sangue, urina, fezes e saliva, coletadas de forma minimamente invasiva, revelou aspectos biológicos surpreendentes.
Maria Branyas Morera nasceu em 4 de março de 1907, em São Francisco, EUA, de pais espanhóis. Mudou-se para Barcelona com a mãe aos oito anos, após o falecimento do pai. O estudo apontou que, mesmo diante de eventos emocionalmente desafiadores em seus últimos anos, como a perda de um filho, ela manteve uma saúde física e mental exemplar. Seus hábitos incluíam sono adequado, dieta mediterrânea balanceada e uma vida social ativa, com atividades como tempo em família, leitura, jardinagem, caminhadas e piano, que ela praticava até poucos anos antes de seu óbito em 19 de agosto de 2024. Aos 113 anos, superou a Covid-19, e diferentemente de seus irmãos, nunca teve doenças tipicamente associadas à idade avançada. Apenas nos anos finais sofreu com surdez e dores nos joelhos, mas seu cérebro permaneceu ágil, sem declínio cognitivo, lembrando-se de músicas, infância e interessando-se por eventos atuais.
No nível celular, a equipe científica observou que, embora os telômeros de Branyas, regiões de DNA que protegem as extremidades dos cromossomos e tipicamente se encurtam com a idade, fossem mais curtos do que o normal, sua boa saúde geral levou os pesquisadores a inferir que o desgaste telomérico pode agir mais como um “relógio cromossômico” do envelhecimento do que um prenunciador de doenças. Essa observação levanta novas questões sobre a interpretação dos telômeros no contexto de uma longevidade excepcional.
A idade biológica de Maria Branyas, determinada por meio da análise de assinaturas químicas de seu DNA, surpreendeu os cientistas. Seu relógio biológico genético era, em média, cerca de 23 anos mais jovem do que sua idade cronológica. Adicionalmente, seu microbioma digestivo, analisado por meio das bactérias presentes, assemelhava-se ao de uma pessoa com menos de 21 anos. Notavelmente, os pesquisadores detectaram a presença abundante da bactéria *Bifidobacterium* em seu trato digestivo, cuja incidência geralmente diminui com o passar dos anos e é associada a benefícios anti-inflamatórios.
Ao indagar se sua longevidade estaria “escrita em seus genes”, o Dr. Esteller ponderou que Branyas, de fato, herdou dos pais uma vantagem genética, com muitos nonagenários em sua família. Contudo, enfatizou que o estilo de vida da supercentenária foi o fator determinante para os quase 30 anos adicionais de sobrevivência, sublinhando que existe um determinismo genético, mas não em sua totalidade. O estudo apontou que não houve um único processo biológico ou variante genética exclusiva para sua longa e saudável vida, mas sim uma complexa combinação de fatores. Seu DNA apresentava variações que protegem contra riscos cardiovasculares, demência e câncer, além de ausência de variantes de risco para essas condições.
Pesquisas revelaram dez variantes inéditas em seu genoma, não descritas na literatura científica, sugerindo que estas podem estar relacionadas à sua notável longevidade. Os dados coletados pelos pesquisadores sugerem que a capacidade de as células de Branyas “se parecerem” ou “se comportarem” como células mais jovens foi uma das razões de sua longevidade recorde. Esteller ressaltou o contraste entre a idade cronológica de 117 anos e a idade biológica de 94 anos, significando que suas células operavam como se tivessem 23 anos a menos.
O fenômeno inflamatório, que no envelhecimento do sistema imunológico pode levar a danos teciduais e doenças crônicas, também foi investigado. Em Maria Branyas, o balanço de marcadores anti-inflamatórios prevalecia, indicando um perfil de baixa inflamação. Isso, segundo Esteller, contribuiu para prevenir o envelhecimento precoce e manter um sistema imunológico robusto, eficaz contra microrganismos externos sem atacar as próprias células.
Outro ponto significativo da pesquisa foi o metabolismo lipídico de Branyas, um dos mais eficientes já documentados. Estudos do UK Biobank associam tal característica a uma vida prolongada e à ausência de demência. Ela apresentava níveis muito baixos de colesterol VLDL e triglicerídeos, enquanto o colesterol HDL, o “bom” colesterol, estava elevado. Isso sugere artérias mais limpas e uma proteção contra doenças cardiovasculares. Seus níveis de açúcar também estavam baixos, um fator crucial para prevenir o diabetes tipo 2, comum em idosos, e ela não sofria de obesidade. Branyas não fumava nem bebia e consumia iogurte regularmente, reforçando a ligação entre hábitos saudáveis e longevidade. O Instituto Josep Carreras reforça que uma dieta saudável, uma vida social ativa e a ausência de hábitos tóxicos são fatores importantes.
María Branyas, a oitava pessoa mais velha com idade verificada da história, segundo o Guinness Book of World Records (conforme registro em https://www.guinnessworldrecords.com/), teve seu estudo publicado atraindo grande atenção internacional. Contudo, pesquisadores como Mayana Zatz e Iñaki Martin-Subero, embora elogiando o rigor da pesquisa, alertam sobre as limitações de generalizar conclusões a partir de um único indivíduo. Os próprios autores do estudo reconhecem que, apesar de trazerem novas perspectivas, a extrapolação para a população geral requer cohorts maiores e estudos longitudinais.
Manel Esteller salientou a importância de estudar um “caso extremo” de envelhecimento, comparado a milhares de indivíduos de diferentes faixas etárias. Ele conclui que o estudo conseguiu diferenciar pela primeira vez fatores ligados à doença e ao envelhecimento daqueles associados à longevidade saudável, como a disparidade entre idade cronológica e biológica e o microbioma anti-inflamatório. Branyas creditou sua longevidade a “ordem, tranquilidade, boa conexão com a família e amigos, contato com a natureza, estabilidade emocional, ausência de preocupações e arrependimentos, além de uma atitude positiva e distanciamento de pessoas tóxicas”, adicionando ainda “sorte e boa genética”, e uma “vida boa, sem excessos”.
A excepcionalidade da longevidade de Maria Branyas destaca a complexidade do envelhecimento e a confluência de múltiplos fatores, genéticos e de estilo de vida, que permitem uma existência longa e saudável. Compreender esses “segredos” abre caminho para futuras pesquisas e potenciais intervenções.
Para saber mais sobre como fatores genéticos e hábitos de vida podem influenciar a saúde humana e a expectativa de vida, continue explorando nossas análises e reportagens sobre temas diversos em Valor Trabalhista, e fique por dentro das últimas novidades da nossa editoria.
Crédito, Instituto de Investigación contra la Leucemia Josep CarrerasLegenda da foto, María Branyas com o Manel Esteller na Catalunha.

Imagem: bbc.com
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