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Recentes pesquisas sobre micróbios e sono estão revelando uma intrínseca conexão entre a saúde de nossa microbiota e a qualidade de nosso descanso noturno. Enquanto nos preparamos para o repouso ao fim do dia, o organismo humano permanece em intensa atividade. Bilhões de minúsculos organismos, incluindo bactérias, vírus e fungos, habitam cada parte de nosso corpo, tanto interna quanto externamente, desempenhando papéis cruciais. Longe de ser um conceito perturbador, a ciência moderna sugere que essas comunidades microbianas podem ser aliadas valiosas na busca por um sono mais reparador e, de fato, profundo. A composição desses ecossistemas pessoais pode ser determinante para que a qualidade do sono melhore ou, inversamente, se deteriore.
Essas descobertas apontam para o promissor desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas. O potencial reside no tratamento de condições complexas relacionadas ao sono, frequentemente desencadeadas por perturbações no ritmo circadiano, conhecido como o relógio biológico interno do corpo. A capacidade dos micróbios de influenciar este sistema abre portas para intervenções personalizadas e mais eficazes, focadas na harmonia do corpo para promover o descanso.
Micróbios Controlam Seu Sono: A Conexão com a Microbiota Corporal
Atualmente, um número significativo de indivíduos recorre a medicamentos para combater a insônia persistente. No entanto, o horizonte da medicina do sono vislumbra um futuro no qual bactérias consideradas benéficas poderiam ser estrategicamente utilizadas para induzir o sono, e até mesmo atuar no tratamento da apneia obstrutiva do sono, um transtorno caracterizado por dificuldades respiratórias durante o período de repouso. Tal inovação redefiniria completamente o conceito de “higiene do sono”, incorporando uma dimensão microbiana à rotina de bem-estar. A Dra. Jennifer Martin, professora de Medicina na Universidade da Califórnia em Los Angeles e membro do conselho da Academia Americana de Medicina do Sono, explica que a visão predominante há anos era a de que “ter distúrbios do sono prejudica o nosso microbioma”. Contudo, as novas evidências apontam para um cenário mais complexo, indicando uma “relação de mão dupla” onde o sono e o microbioma se influenciam mutuamente, estabelecendo um ciclo intrincado de interações.
A Relação entre Microbiota Oral e Qualidade do Sono
Recentes achados científicos apresentados em uma conferência acadêmica focada em cientistas do sono, realizada em maio, solidificaram essa compreensão bidirecional. O resumo dos estudos demonstrou consistentemente que adolescentes e jovens adultos que apresentavam uma maior diversidade de micróbios em sua cavidade oral, consistentemente usufruíam de um sono de maior duração. Este resultado enfatiza que não apenas o intestino, mas também outras partes do corpo, como a boca, hospedam comunidades microbianas que desempenham um papel relevante na regulação do ciclo de repouso e vigília dos indivíduos.
Adicionalmente, estudos de impacto revelam que pessoas diagnosticadas clinicamente com insônia tendem a possuir uma diversidade bacteriana intestinal inferior em comparação com aqueles que gozam de um sono sem alterações. Essa correlação é tipicamente associada a um sistema imunológico menos robusto e a uma capacidade diminuída de processar adequadamente gorduras e açúcares. Tais deficiências podem elevar o risco de condições metabólicas graves, como diabetes e obesidade, além de aumentar a predisposição a doenças cardíacas, sublinhando a importância da microbiota para a saúde geral.
Distúrbios do Sono e Diversidade Microbiana Intestinal
Em um experimento notável envolvendo quarenta participantes voluntários, os pesquisadores analisaram minuciosamente o microbioma intestinal dos indivíduos, enquanto rastreadores de sono monitoravam seus padrões de repouso por um mês. As conclusões corroboraram que uma baixa qualidade do sono estava intrinsecamente ligada a uma menor diversidade na população de micróbios presentes no intestino dos voluntários. Estes dados reforçam a hipótese de que a homeostase microbiana é um pilar para um sono adequado e saudável.
Outra observação pertinente veio da análise de dados pela empresa britânica de tecnologia em saúde Zoe, que focou no fenômeno do jet lag social. Indivíduos que vivenciavam significativas variações em seus padrões de sono — com rotinas de descanso noturno diferentes entre os dias úteis e os fins de semana — demonstravam microbiomas intestinais marcadamente distintos em relação àqueles cujos padrões de sono eram mais consistentes e sem grandes variações. O professor de Fisiologia Integrativa, Kenneth Wright, da Universidade do Colorado em Boulder, EUA, esclarece que as “interrupções do ritmo circadiano ocorrem em pessoas que ficam acordadas e dormem até mais tarde nos fins de semana”. Ele adiciona que essa problemática também atinge aqueles que mantêm longos turnos de trabalho, como profissionais de emergência, segurança, paramédicos e militares, e indivíduos que se alimentam muito próximo à hora de dormir.
Estas interrupções no ritmo natural do corpo podem, por sua vez, provocar “distúrbios gastrointestinais e doenças metabólicas, comuns, por exemplo, em pessoas que trabalham em turnos”, conforme detalha o professor Wright. A relevância aqui reside no fato de que o microbioma, quando alterado, pode ter uma participação substancial no surgimento ou agravamento desses problemas de saúde, destacando seu papel fundamental no equilíbrio sistêmico do organismo.
Alimentação, Sono Fragmentado e Micróbios Intestinais
É plausível que pessoas com sono intermitente ou interrompido adotem, muitas vezes, hábitos alimentares menos saudáveis, o que acaba por comprometer a saúde de seu microbioma. Esta é a visão da professora Sarah Berry, das Ciências da Nutrição no King’s College de Londres e cientista-chefe da Zoe. A professora cita estudos anteriores que evidenciam um aumento subconsciente na ingestão de açúcar por parte de indivíduos com privação de sono. Ela explica o mecanismo cerebral por trás disso: “Parte da teoria por trás disso é que, quando você tem uma má noite de sono, os centros de recompensa do cérebro se intensificam no dia seguinte e você sai em busca de uma solução rápida”. Essa busca muitas vezes se materializa no desejo por carboidratos refinados, gerando um “surto rápido de energia” que, a longo prazo, se mostra prejudicial ao organismo e à microbiota.
Contudo, a simples modificação dos padrões alimentares em resposta à falta de sono não engloba a totalidade da questão. Berry e sua equipe identificaram, em indivíduos com jet lag social, a abundância de nove espécies de micróbios e a diminuição de oito outras, quando comparados a pessoas com sono regulado. Entretanto, a influência da alimentação, ao que parece, afeta a concentração de apenas quatro dessas espécies microbianas, sugerindo outros fatores em jogo na complexa interação entre sono e microbiota.
A professora de Psicologia e Neurociências Jaime Tartar, da Universidade Nova Southeastern, Flórida (Estados Unidos), que não participou do estudo da Zoe, manifesta sua crescente convicção de que certos micróbios exercem um impacto direto e significativo na qualidade do sono. A pesquisadora menciona o grupo taxonômico Firmicutes, um tipo de bactéria frequentemente encontrado em maior volume no intestino. Em testes conduzidos por Tartar e seus colegas, com 40 homens, foram monitorados o sono e avaliados os micróbios intestinais, revelando 15 grupos distintos de bactérias Firmicutes, cada um relacionado a diferentes avaliações do sono.
“Não temos todas as respostas no momento”, pondera a professora, “mas certamente parece que algumas delas podem melhorar e outras, prejudicar o sono.” Este comentário sublinha a nuance da relação e a necessidade de futuras investigações para discernir os papéis específicos de cada linhagem bacteriana. Em cenários específicos, os distúrbios do sono podem, de fato, desencadear alterações nas populações microbianas, o que por sua vez enfraquece o sistema imunológico e sua habilidade de regular esses micróbios. Esta cascata de eventos pode então aumentar a probabilidade de problemas de sono que se estendem por períodos mais prolongados.
Transplantes Fecais: Uma Perspectiva Inovadora
Pesquisadores como Tartar e Martin propõem que diversos problemas relacionados ao sono podem ser originados de desequilíbrios microbianos, tanto na boca quanto no intestino. Acredita-se que determinadas bactérias são capazes de alterar ativamente a qualidade do nosso sono, influenciando o ritmo circadiano – o relógio biológico que coordena o sono – e modulando a ingestão alimentar, fator igualmente relevante para o descanso.
Evidências substanciais desta hipótese provêm de uma série de estudos focados nos chamados transplantes fecais. Em uma pesquisa de 2024, cientistas realizaram transplantes de fezes – contendo os micróbios intestinais de humanos – para o intestino de camundongos. Os roedores que receberam a microbiota de pessoas com insônia e jet lag exibiram comportamentos análogos à insônia, permanecendo mais alertas durante o que seriam suas horas habituais de sono. Tal experimento reforça a noção de que o microbioma possui uma forte influência sobre os padrões de descanso.
Outro estudo avaliou camundongos que receberam micróbios intestinais humanos antes, durante e após a recuperação do jet lag. Os resultados indicaram que o transplante microbiano durante a fase de jet lag ocasionou ganho de peso e dificuldades no controle dos níveis de açúcar no sangue dos animais. No contexto humano, estudos de menor escala, realizados por pesquisadores chineses, já indicaram que transplantes fecais poderiam beneficiar pacientes que sofrem de insônia crônica e outras disfunções do sono. É importante notar que muitos aspectos do sono possuem uma dimensão psicológica; portanto, a simples percepção de ter recebido um tratamento inovador poderia influenciar a mentalidade dos pacientes, levando a um sono mais regular. A validação definitiva da eficácia dos transplantes requer a condução de um teste clínico duplo-cego randomizado, seguindo os mais rigorosos padrões científicos.
Micróbios, Alimentação e Neurotransmissores
Além dos transplantes, outras evidências reforçam o elo entre microbiota e sono. Por exemplo, a relação direta entre a alimentação e a qualidade do sono é um fato reconhecido. Um grupo de quinze homens jovens e sadios que seguiu uma dieta rica em gordura e açúcar por uma semana demonstrou alterações nos padrões elétricos cerebrais durante o sono profundo. Contudo, devido ao tamanho reduzido da amostra, é prudente interpretar essas conclusões com cautela.

Imagem: bbc.com
Paralelamente, outro experimento analisou o sono de voluntários que estavam sob tratamento com antibióticos. As evidências sugerem que esses medicamentos impactaram negativamente o sono não-REM (sem movimento rápido dos olhos), uma fase crucial do ciclo do sono onde o corpo se restaura e memoriza informações. As descobertas, embora promissoras, não se aplicam a todos os tipos de antibióticos e também derivam de um estudo em pequena escala.
A professora Tartar explica que modificações no equilíbrio de nossos micróbios intestinais também podem modular a produção de substâncias que auxiliam na digestão e que, por sua vez, influenciam diretamente a qualidade do sono. Sabe-se que certos micróbios intestinais sintetizam neurotransmissores como o ácido gama-aminobutírico (GABA), a dopamina, a norepinefrina e a serotonina, além de ácidos graxos de cadeia curta como o butirato. Todas essas moléculas exercem um impacto comprovado no sono. Mesmo sendo produzidas no intestino, “elas podem influenciar o cérebro”, esclarece Tartar.
Se a população desses micróbios diminui, sua influência química sobre o cérebro provavelmente será atenuada. Em contrapartida, a proliferação de outros tipos de micróbios que se alimentam de açúcares e gorduras saturadas pode resultar na síntese de moléculas inflamatórias. Algumas dessas substâncias inflamatórias, incluindo certos ácidos biliares, são suspeitas de prejudicar o ritmo circadiano. A Dra. Jennifer Martin acrescenta que um processo análogo pode ocorrer no microbioma oral. A intensificação da inflamação, decorrente da atividade de micróbios que prosperam em condições de má alimentação ou deficiências na saúde bucal, pode elevar o risco de problemas como a apneia obstrutiva do sono. Essa condição é caracterizada pelo relaxamento das paredes da garganta durante o sono, que interrompe a respiração normal.
“Se o microbioma estiver desequilibrado, isso poderá gerar inflamações locais e sistêmicas, o que pode causar estreitamento das vias aéreas, liberação de hormônios do estresse e muitas consequências que são prejudiciais para o sono”, afirma Martin. O estreitamento ou bloqueio dessas vias aéreas é um fator contribuinte direto para a ocorrência da apneia obstrutiva do sono e do ronco.
Probióticos e Prebióticos como Alternativas Terapêuticas
Diante desse complexo cenário, surge a questão se probióticos (suplementos que fornecem cepas bacterianas específicas) ou prebióticos (ingredientes alimentares não digeríveis que estimulam o crescimento de bactérias benéficas no intestino) poderiam oferecer uma solução para determinados distúrbios do sono. A professora Tartar destaca um estudo onde uma cepa específica de probiótico, o Lactobacillus casei Shirota, demonstrou melhorar a qualidade do sono em voluntários. Este estudo, conduzido com 94 estudantes de Medicina durante um período de alto estresse acadêmico, comparou os resultados com um grupo placebo, indicando o potencial benéfico da intervenção.
Sarah Berry relata que a empresa Zoe realizou um estudo recente de seis semanas, batizado de BIOME, com 399 adultos britânicos saudáveis. O estudo, que ainda aguarda análise de pares, dividiu os participantes em três grupos distintos. Um dos grupos recebeu uma mistura prebiótica denominada “supercombustível para o microbioma”, composta por mais de 30 ingredientes alimentares integrais, incluindo frutos de baobá e cogumelos juba-de-leão. O segundo grupo consumiu um probiótico diário na forma da bactéria L. rhamnosus, enquanto o grupo de controle recebeu croutons de pão, com calorias equivalentes à mistura prebiótica.
Em comparação com o grupo de controle, uma proporção significativamente maior de participantes que receberam a mistura prebiótica relatou melhoria do sono. No entanto, esta conclusão foi baseada em autoavaliações, o que ressalta a necessidade de medições objetivas para confirmar os resultados. Interessada por esses dados preliminares, a Dra. Jennifer Martin enfatiza a imperiosa necessidade de pesquisas mais amplas e robustas, que comparem a eficácia de prebióticos e probióticos com os tratamentos convencionais já estabelecidos para os problemas do sono, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e diversas medicações.
Martin adverte contra o gasto impulsivo em produtos com eficácia não comprovada. “Sempre tomo cuidado antes de sugerir que alguém gaste US$ 30 [cerca de R$ 160] em uma loja de alimentos saudáveis, com algo que não tenha eficácia comprovada, quando sabemos que existem terapias médicas eficazes disponíveis”, ela explica. Ela expressa um particular interesse em investigar se os probióticos poderiam auxiliar pacientes com casos leves de apneia obstrutiva do sono, talvez em combinação com dispositivos orais já existentes para o reposicionamento mandibular, visando mitigar os distúrbios respiratórios.
Considerando que entre 20% e 30% das pessoas com insônia crônica não respondem à terapia cognitiva-comportamental atualmente, a Dra. Martin questiona se probióticos ou prebióticos poderiam oferecer uma nova esperança para esse subgrupo de pacientes. “Eu adoraria ver estudos a respeito”, ela declara. “Clinicamente, temos dificuldade para ajudar este subconjunto de pacientes e muitos deles não querem usar medicação sedante.”
A consolidação da comprovação de que a microbiologia impacta concretamente a qualidade do sono traria benefícios potenciais para uma vasta gama de indivíduos. “Os distúrbios circadianos são muito comuns na sociedade”, destaca Kenneth Wright. “Eles podem ser causados por jet lag, certas carreiras profissionais e estilos de vida, bem como por doenças relacionadas à idade. Os potenciais benefícios podem atingir muitas pessoas.”
Para aprofundar a compreensão sobre os padrões de sono e suas interrupções, é possível consultar informações adicionais sobre distúrbios do ritmo circadiano de fontes especializadas.
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Em resumo, a complexa interação entre o nosso microbioma e os padrões de sono está emergindo como um campo de estudo fundamental para a medicina. Compreender como os micróbios influenciam o sono, o ritmo circadiano e até a resposta alimentar, oferece perspectivas inovadoras para o tratamento de diversos distúrbios. Para continuar explorando as últimas notícias sobre saúde, ciência e bem-estar, convidamos você a navegar por nossa editoria de Saúde, e manter-se atualizado com as análises e descobertas mais recentes.
Crédito da Imagem: Serenity Strull/BBC/Getty Images
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