Morte de bebê de um mês por mutilação genital feminina reacende debate sobre a prática na África

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A morte de um bebê de apenas um mês de idade, atribuída à prática de Mutilação Genital Feminina (MGF), reacendeu o debate sobre esta prática em diversas regiões da África. O incidente, ocorrido na Gâmbia, trouxe novamente à tona as discussões sobre a eficácia das leis existentes e os desafios persistentes na erradicação da MGF.

A Mutilação Genital Feminina, também conhecida como corte genital feminino, refere-se a todos os procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos femininos ou outras lesões aos órgãos genitais femininos por razões não médicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a MGF em quatro tipos principais, variando em severidade e extensão da remoção tecidual.

O Tipo I envolve a remoção parcial ou total do clitóris e/ou do prepúcio do clitóris. O Tipo II consiste na remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios, com ou sem excisão dos grandes lábios. O Tipo III, conhecido como infibulação, é o mais grave e inclui o estreitamento da abertura vaginal através da criação de uma cobertura selante, formada pelo corte e reposicionamento dos pequenos lábios ou dos grandes lábios, com ou sem remoção do clitóris. O Tipo IV abrange todos os outros procedimentos prejudiciais aos órgãos genitais femininos para fins não médicos, como picadas, perfurações, incisões, raspagens ou cauterizações.

Implicações para a Saúde e Bem-Estar

As consequências da MGF para a saúde são amplas e podem ser imediatas ou de longo prazo. Imediatamente após o procedimento, as meninas e mulheres podem sofrer de dor intensa, choque, hemorragia, tétano, infecções, retenção urinária e lesões em tecidos genitais adjacentes. Em casos graves, a hemorragia e as infecções podem levar à morte, como o incidente recente na Gâmbia parece indicar.

A longo prazo, as sobreviventes de MGF enfrentam uma série de complicações crônicas. Estas incluem infecções urinárias e vaginais recorrentes, problemas menstruais, formação de cistos e abcessos, dor crônica, dificuldades nas relações sexuais e infertilidade. As complicações obstétricas são particularmente preocupantes, com maior risco de partos prolongados, hemorragias pós-parto, necessidade de cesariana e morte materna ou neonatal.

Além dos impactos físicos, a MGF acarreta graves consequências psicológicas. Muitas sobreviventes experimentam ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e baixa autoestima. O trauma associado ao procedimento pode afetar profundamente a saúde mental e o bem-estar geral ao longo da vida.

Contexto Legal na Gâmbia

Na Gâmbia, a Mutilação Genital Feminina é proibida por lei desde 2015. A legislação gambiana, especificamente a Lei de Crianças, Mulheres e Gênero (Proibição da Mutilação Genital Feminina) de 2015, criminaliza a prática. Esta lei foi um marco significativo nos esforços do país para proteger meninas e mulheres.

As penalidades para quem realiza ou facilita a MGF são severas. A lei prevê multas e penas de prisão. Em casos onde a MGF resulta em morte, a pena pode ser de prisão perpétua. A legislação também abrange a proibição de levar meninas para fora do país com o propósito de realizar a MGF, visando coibir a prática transfronteiriça.

Apesar da existência da lei, a sua aplicação e fiscalização enfrentam desafios. O incidente envolvendo a morte do bebê na Gâmbia sublinha a persistência da prática em algumas comunidades, mesmo com a proibição legal. Este evento gerou um clamor público e renovou os apelos para uma aplicação mais rigorosa da lei e para o fortalecimento das campanhas de conscientização.

A MGF no Contexto Africano Mais Amplo

A MGF é praticada em cerca de 30 países, predominantemente na África, no Oriente Médio e em algumas partes da Ásia. Na África, a prevalência varia significativamente entre os países e dentro das próprias nações, com algumas regiões apresentando taxas muito elevadas. Países como Somália, Guiné e Djibuti registram algumas das maiores prevalências globais.

Muitos países africanos têm implementado legislações para proibir a MGF, seguindo o exemplo de instrumentos internacionais de direitos humanos, como o Protocolo de Maputo, que exige que os Estados Partes tomem todas as medidas necessárias para erradicar a MGF. No entanto, a mera existência de uma lei não garante a erradicação da prática. A aplicação efetiva, a mudança de normas sociais e a educação são componentes cruciais.

Apesar dos avanços legislativos, a MGF continua a ser um desafio de saúde pública e direitos humanos em todo o continente. A prática é frequentemente enraizada em tradições culturais e sociais, e não em preceitos religiosos universais, embora seja por vezes justificada por interpretações específicas. A pressão social e a crença de que a MGF é necessária para a aceitação social, o casamento ou a pureza são fatores que contribuem para a sua perpetuação.

Esforços de Erradicação e Desafios

A luta contra a MGF envolve uma multiplicidade de atores, incluindo governos, organizações não governamentais (ONGs), líderes comunitários, ativistas de direitos humanos e agências das Nações Unidas. As estratégias de erradicação focam em diversas frentes, desde a legislação e a aplicação da lei até a educação e o empoderamento das comunidades.

Programas de conscientização são fundamentais para informar as comunidades sobre os perigos da MGF e para desmistificar as crenças que a sustentam. O diálogo com líderes religiosos e tradicionais tem se mostrado eficaz em algumas áreas, incentivando-os a se manifestar contra a prática. O empoderamento de mulheres e meninas, através da educação e do acesso a oportunidades, também contribui para a mudança de normas sociais.

A abordagem de “abandono coletivo” tem sido adotada em algumas comunidades, onde grupos inteiros decidem abandonar a prática simultaneamente, reduzindo a pressão social sobre as famílias individuais. Esta estratégia reconhece que a MGF é uma norma social e que a mudança sustentável requer um compromisso coletivo.

No entanto, a erradicação da MGF enfrenta desafios significativos. A prática é muitas vezes realizada em segredo, dificultando a identificação e a intervenção. A resistência cultural e a crença arraigada na necessidade da MGF persistem em muitas áreas. A pobreza e a falta de acesso à educação também podem exacerbar a vulnerabilidade das meninas à prática.

O Debate Reacendido

O recente caso na Gâmbia intensificou o debate sobre a MGF, não apenas no país, mas em toda a região. De um lado, defensores dos direitos humanos e profissionais de saúde reiteram a necessidade de proteger meninas e mulheres de uma prática que constitui uma violação grave de seus direitos e que causa danos físicos e psicológicos irreparáveis. Eles clamam por uma aplicação mais rigorosa das leis e por investimentos contínuos em educação e conscientização.

Do outro lado, em algumas comunidades, há quem defenda a MGF como parte de sua herança cultural ou tradição. Argumentos sobre a preservação de costumes e a autonomia cultural são por vezes apresentados. No entanto, a comunidade internacional e a maioria dos governos africanos consideram a MGF uma violação dos direitos humanos fundamentais, independentemente de justificativas culturais.

O debate também aborda a questão da impunidade. A dificuldade em processar e condenar os responsáveis pela MGF, especialmente quando a prática é realizada por membros da família ou da comunidade, é um obstáculo. A morte do bebê na Gâmbia serve como um lembrete trágico das consequências extremas da MGF e da urgência de fortalecer as medidas de proteção e prevenção.

A comunidade internacional, através de agências como o UNICEF e o UNFPA, continua a apoiar os esforços dos governos africanos para erradicar a MGF. O objetivo é alcançar um futuro onde nenhuma menina seja submetida a esta prática prejudicial, garantindo sua saúde, dignidade e direitos.

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