Morte de Luis Fernando Verissimo, aos 88 anos, marca o fim de uma era no humor e na crônica brasileira

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O Brasil se despede de um dos seus maiores nomes da literatura e do humor, Luis Fernando Verissimo, que faleceu neste sábado, dia 30 de agosto, aos 88 anos de idade. O aclamado escritor e cronista gaúcho veio a óbito na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Verissimo estava hospitalizado desde o domingo, 17 de agosto, em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Hospital Moinhos de Vento, também localizado na capital gaúcha. A internação ocorreu devido a um princípio de pneumonia, uma das diversas complicações de saúde que o escritor enfrentava nos últimos anos.

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Um Legado Forjado em Palavras e Música

Nascido em Porto Alegre em 26 de setembro de 1936, Luis Fernando Verissimo, filho do renomado escritor Erico Verissimo (1905-1975) e de Mafalda Verissimo, construiu uma trajetória única. Sua infância e juventude foram marcadas por experiências culturais diversas. Aos 16 anos, mudou-se para os Estados Unidos, em um período em que seu pai lecionava na Universidade da Califórnia, entre 1943 e 1945. Foi em solo americano que Verissimo começou a refinar suas habilidades literárias e desenvolver um profundo apreço pelo jazz, paixão que o levaria a se tornar saxofonista e integrante da banda Jazz 6.

Em sua vida pessoal, foi casado com Lúcia Verissimo por 61 anos. Lúcia, de 81 anos, revelou à Folha de S.Paulo que, ao final da vida, o escritor enfrentava dificuldades de fala, sendo as poucas palavras que balbuciava ditas em inglês. Verissimo enfrentava há anos uma série de problemas de saúde que impactaram sua condição. Entre eles, destacavam-se a doença de Parkinson, as sequelas de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofrido em 2021, além de complicações cardíacas.

Sua carreira literária teve início mais tarde do que muitos esperavam. Em uma entrevista concedida à revista Época em 2016, quando tinha 80 anos, Verissimo recordou: “Eu comecei a escrever tarde, com mais de 30 anos. Até então só tinha feito algumas traduções do inglês e não tinha a menor intenção de ser jornalista ou escritor.” Ele completou que sua vocação se revelou quando obteve um espaço assinado em um jornal: “Quando me deram um espaço assinado no jornal, eu, por assim dizer, me descobri. (…) O resto, os contos e os romances são decorrências do trabalho como cronista. Na música, apenas realizei o sonho de ser jazzista, ou pelo menos poder brincar de ser jazzista.”

Produtor Incansável: Livros e Crônicas que Marcaram Gerações

A produção literária de Luis Fernando Verissimo é vasta e impactante. Ao longo de sua extensa carreira, o autor publicou mais de 70 livros e vendeu um total impressionante de 5,6 milhões de cópias. Seu trabalho transcorreu por diferentes gêneros, desde as crônicas que habilmente traduziam o humor do cotidiano, até contos e romances que, com perspicácia e domínio narrativo, espelhavam a vida brasileira.

Além de sua bem-sucedida trajetória como autor de livros, Verissimo consolidou sua presença na imprensa nacional como um colunista assíduo. Suas palavras e opiniões adornaram as páginas de importantes veículos de comunicação, como O Estado de S.Paulo, O Globo, Veja e Zero Hora, por décadas.

Entre as obras mais icônicas de seu repertório, destacam-se títulos que se tornaram referência na cultura brasileira, como O Analista de Bagé (publicado em 1981), A Grande Mulher Nua (lançado em 1975), Ed Mort e Outras Histórias (de 1979), O Santinho (publicado em 1991) e a aclamada coletânea de crônicas Comédias da Vida Privada (de 1994). Esta última, em particular, transcendeu o universo literário ao ser adaptada para uma série de televisão pela Rede Globo, que foi exibida entre os anos de 1996 e 1997, solidificando seu legado para um público ainda mais amplo.

Engajamento Político e Visão de Mundo

Conhecido por suas convicções ideológicas e seu posicionamento político de esquerda, Luis Fernando Verissimo nunca se furtou a expressar suas opiniões. Ele foi um crítico declarado do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e, em diversas ocasiões, manifestou apreço pelos primeiros governos petistas, especialmente em relação às políticas de inclusão social e à redução da desigualdade no Brasil. O escritor defendia a ideia de que “todo mundo deve ter lado, e deixar claro qual é”.

Em uma entrevista concedida à Folha de S.Paulo em 2020, Verissimo elaborou sobre seu ponto de vista: “Talvez ingenuamente, eu não entendo como uma pessoa que enxerga o país à sua volta, vive suas desigualdades e sabe a causa das suas misérias pode não ser de esquerda. Ser de esquerda não é uma opção, é uma decorrência.” Esta citação demonstra a profundidade de seu engajamento com questões sociais e políticas.

Sucesso Expandido: Da Literatura à Televisão

A prolífica carreira de Verissimo não se limitou ao mundo dos livros e das colunas de jornal; sua mente criativa também teve uma participação significativa na televisão brasileira. Ele atuou como roteirista e criador de diversas séries de sucesso, levando seu humor e sua percepção do cotidiano para a telinha.

Morte de Luis Fernando Verissimo, aos 88 anos, marca o fim de uma era no humor e na crônica brasileira - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Na Rede Globo, sua colaboração incluiu trabalhos como redator em programas icônicos da televisão nacional, como Planeta dos Homens, Viva o Gordo e TV Pirata. Contudo, seu maior triunfo na televisão foi, sem dúvida, a série A Comédia da Vida Privada, baseada em suas crônicas. A atração, composta por 21 episódios, foi veiculada pela Rede Globo entre 1995 e 1997.

A Comédia da Vida Privada foi idealizada por Jorge Furtado e Guel Arraes. Os roteiros, que adaptavam crônicas de Verissimo e também incluíam histórias originais criadas especificamente para a TV, contaram com a colaboração de grandes nomes como Pedro Cardoso, Fernanda Young e o próprio Guel Arraes. A série era exibida às terças-feiras e mergulhava em histórias que retratavam o dia a dia e os dramas e alegrias da classe média brasileira. Seu elenco era um verdadeiro festival de talentos da comédia nacional, reunindo nomes como Marco Nanini, Pedro Cardoso, Fernanda Torres, Marieta Severo, Andréa Beltrão, Luiz Fernando Guimarães, entre outros artistas renomados.

A crítica Esther Hamburger elogiou a série, descrevendo-a como um sucesso devido a diversos elementos: “Diálogos ágeis e engraçados, edição rápida, efeitos eletrônicos e interpretação teatral de texto baseado na obra do escritor Luis Fernando Verissimo fazem o sucesso do programa. Mesmo que muitos dos termos e situações abordadas estejam há muito fora de circulação. Ou talvez por isso mesmo”, observou, sublinhando a atemporalidade e a sagacidade da obra de Verissimo adaptada ao formato televisivo.

Além disso, crônicas de Verissimo foram adaptadas em quadros de humor dentro do popular programa dominical Fantástico. Sua influência estendeu-se a outras produções, incluindo as séries Sexo Frágil (Globo, exibida entre 2003 e 2004), Aventuras da Família Brasil (produzida pela RBS em 2009) e Amor Verissimo (GNT, veiculada de 2014 a 2015), confirmando sua capacidade de transitar e inovar em múltiplas plataformas midiáticas.

O “Gigolô das Palavras” e a Reflexão sobre o Fim

Com um toque de autoironia característico, Luis Fernando Verissimo descreveu seu ofício de escritor na crônica intitulada “O Gigolô das Palavras”. Nela, ele escreveu: “Sou um gigolô das palavras. Vivo à custa delas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas.” Esta frase encapsula sua profunda e por vezes irreverente relação com a linguagem, que ele manipulava com maestria para deleite de seus leitores.

Nos últimos anos de sua vida, já com a saúde debilitada pelos problemas e o avançar da idade, Verissimo abordava o tema da morte com uma singular mistura de melancolia e suavidade, sempre com a leveza peculiar que marcava sua vasta obra. Em 2011, em entrevista à Folha de S.Paulo, declarou: “A morte é uma injustiça, esse é a melhor descrição. Mas a gente tem de conviver com isso.” Na mesma ocasião, refletiu sobre a velhice: “A gente vai ficando mais lento de pensamento. Nesse sentido, estou sentindo a velhice. Mas aí é tentar aproveitar a vida da melhor maneira. Enquanto der para aproveitar a nossa neta, ir ao cinema, viajar, a gente vai levando.”

Posteriormente, em 2013, após uma internação na UTI devido a uma gripe que evoluiu para uma infecção generalizada, seu posicionamento sobre a morte tornou-se ainda mais direto e enfático, conforme uma nova declaração à Folha: “A morte é uma sacanagem. Sou cada vez mais contra.” Essas reflexões, mesmo carregadas de uma natural resistência ao inevitável, sublinhavam a essência humanista e por vezes agridoce que sempre pontuou a escrita e a perspectiva de Luis Fernando Verissimo sobre a vida e seus desfechos.

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Com o falecimento de Luis Fernando Verissimo, o cenário cultural brasileiro perde não apenas um escritor, cronista, humorista e músico, mas um observador perspicaz e um contador de histórias que soube traduzir a alma de seu país com um talento ímpar e uma inteligência aguçada.

Com informações de BBC News Brasil


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