O Papel Pioneiro do Brasil na Criação da ONU em 1945

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O Brasil na criação da ONU teve uma participação fundamental na formação da Organização das Nações Unidas, estabelecida em 1945 após o término da Segunda Guerra Mundial. Com a Conferência de San Francisco reunindo representantes de 51 países, a diplomacia brasileira demonstrou empenho e ambições significativas para a nova ordem global. O país, um dos pioneiros no esforço para edificar o organismo internacional, buscou um papel de destaque, marcado por uma comitiva notável e intensa atividade nos debates.

Delegação Brasileira e o Cenário Pós-Guerra

Uma delegação brasileira composta por oito integrantes participou ativamente da Conferência de San Francisco. Liderada pelo então ministro interino das Relações Exteriores, embaixador Pedro Leão Velloso (1887-1947), a comissão contava com outros dois embaixadores de renome, Carlos Martins Pereira e Souza (1884-1965) e Cyro de Freitas Valle (1896-1969). Além de membros militares, o grupo destacava-se pela inclusão de Bertha Lutz (1894-1976), bióloga e educadora, conhecida por seu engajamento feminista e a única mulher entre os delegados nacionais. Esta composição, apesar de majoritariamente conservadora, segundo o embaixador Eugênio Vargas Garcia, autor de “O Sexto Membro Permanente – O Brasil e a Criação da ONU”, mostrou a abertura do presidente Getúlio Vargas (1882-1954) ao incorporar uma representante feminina na delegação.

A tese central de Garcia, ecoada por muitos analistas contemporâneos, é que o

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foi tão crucial que merecia ser recompensado com um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Este seleto grupo, que hoje inclui China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, possui poder de veto sobre todas as resoluções da organização, uma prerrogativa cobiçada pela diplomacia brasileira.

Um ano antes do histórico encontro em San Francisco, as propostas que guiariam a concepção da então futura organização foram delineadas na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944. O Brasil, curiosamente, não foi representado nesse evento precursor, mas surgiu como o único país a ser considerado para ocupar uma cobiçada sexta cadeira permanente no Conselho de Segurança, conforme explicou o embaixador Garcia. Em um artigo acadêmico de 2011, ele detalhou que a importância do Brasil foi levantada durante discussões no comitê diretor, onde a necessidade de “acomodar algum dos países latino-americanos” foi aventada.

Contudo, nas fases seguintes dos debates, a proposta foi rechaçada. Argumentava-se que o Brasil não configurava uma “grande potência” e seu porvir político e econômico era incerto. Ademais, existiam interrogações quanto à capacidade militar do país. Essa conjuntura levou britânicos, soviéticos e, posteriormente, norte-americanos a rejeitar de forma categórica a ideia de um assento permanente para o Brasil, unificando suas posições.

Aspirações por um Assento Permanente

Inicialmente desconhecidas pelos diplomatas brasileiros, as conversas de Dumbarton Oaks ganharam publicidade e suscitaram grande interesse no governo. A mera cogitação, mesmo que infrutífera, para integrar o seleto grupo das potências, acendeu a ambição brasileira. O ministro interino Velloso reportou os desenvolvimentos ao presidente Vargas, que então deu luz verde para que a diplomacia priorizasse a participação em futuros debates e abrisse um diálogo direto com o governo norte-americano.

A aspiração do Brasil em fazer parte desse “clube de potências” é anterior à própria ONU. O cientista político Leonardo Bandarra, pesquisador sênior no Instituto de Estudos de Desenvolvimento e Paz da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, destaca que o país foi o “único latino-americano” a compor o conselho inaugural da Liga das Nações, a instituição internacional criada em 1919 e predecessora direta da ONU. Essa história pregressa sublinhava a constante busca brasileira por reconhecimento internacional.

O então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt (1882-1945), nutria considerável simpatia pelo projeto geopolítico de Vargas. Há relatos de que ele teria dito ao primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965) que cuidaria dos “bons amigos brasileiros”, pois eles esperariam ser incluídos no Conselho Permanente. Segundo o especialista em relações internacionais Pedro Brites, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil “teve um papel muito relevante” por sua participação no esforço de guerra da Segunda Guerra Mundial, sendo um “ator-chave” para os americanos no xadrez da política internacional, representando um aliado conveniente no continente.

Os principais argumentos brasileiros eram a contribuição efetiva no combate ao nazifascismo e as dimensões continentais do país, que visualmente projetavam sua importância no cenário global. A magnitude do Brasil no mapa, inclusive, era um argumento tático para diplomatas brasileiros, conferindo mais peso às suas negociações, como narrado por um embaixador em missão no exterior.

Promessa Não Cumprida e Legado Pioneiro

Apesar do empenho, o Brasil não alcançou o almejado assento permanente. A morte de Roosevelt em 12 de abril de 1945 foi um “duro golpe” às aspirações brasileiras, como ressalta Garcia, privando o Brasil de um defensor influente que mantinha “contínuo apoio a Vargas” e era “grande simpatizante da causa brasileira”.

O Papel Pioneiro do Brasil na Criação da ONU em 1945 - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

A participação brasileira na Conferência de San Francisco, sob a liderança de Velloso, foi a derradeira chance para conquistar a vaga. Conforme Enrique Natalino, jurista e cientista político do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), essa presença “projetou o Brasil no contexto internacional”. Mesmo emergindo da ditadura do Estado Novo, o país demonstrou uma diplomacia “bastante contundente” ao liderar os interesses da América Latina na Conferência e na elaboração da Carta da ONU. O empenho brasileiro, como aponta o cientista político Márcio Coimbra, ex-diretor da Apex, foi “genuinamente valorizado” como o de uma nação que aspirava a um papel construtivo na nova ordem mundial.

Neste contexto, Bertha Lutz desempenhou um papel crucial. O embaixador Garcia detalhou que Lutz se “bateu para que fosse expressamente reconhecido às mulheres o direito de ocupar qualquer cargo na estrutura do Secretariado da organização” e que a Carta da ONU consagrasse o “princípio fundamental da igualdade dos seres humanos, sem distinção de sexo, credo, língua ou raça”. De fato, o preâmbulo da carta reforça a “fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas”, enquanto o artigo oitavo explicita que “as Nações Unidas não farão restrições quanto à elegibilidade de homens e mulheres destinados a participar em qualquer caráter e em condições de igualdade em seus órgãos principais e subsidiários.”

Contudo, a respeito do assento permanente, Velloso e a delegação retornaram com promessas: a discussão do aumento de cadeiras permanecia em aberto, o tema seria tratado em uma reunião futura, e a delegação brasileira seria informada, um “compromisso nunca cumprido”. Em junho de 1945, um telegrama do secretário de Estado norte-americano Edward Stettinius (1900-1949) a Velloso dissipou de vez as esperanças brasileiras, reafirmando o respeito pela contribuição brasileira, mas enfatizando a necessidade de uma visão circunstanciada dos melhores interesses da organização. A mensagem sugeria, contudo, a eleição do Brasil como membro inicial não permanente do Conselho de Segurança.

O Legado Duradouro: Primeiro a Falar e Protagonismo Diplomático

O impacto do esforço inicial do Brasil na criação da ONU perdura. Muitos atribuem a ele a honrosa tradição de ser o primeiro país a discursar anualmente na Assembleia Geral da ONU. Este privilégio é visto como um “prêmio de consolação” ou um reconhecimento pelo seu papel na gênese da instituição. Segundo Bandarra, “a ideia é de que o Brasil fosse o primeiro a falar para que todos o ouvissem. Afinal, o primeiro discurso é ouvido por todos. Isso foi um reconhecimento. Mesmo sem a vaga permanente, o Brasil acabou ganhando o poder de iniciar os debates”.

Para o jurista Luís Fernando Baracho, professor de direito internacional e relações internacionais da Universidade São Judas Tadeu, essa prerrogativa é uma “oportunidade para o país em termos de política externa”, uma chance de ser um “personagem importante no teatro global”. Rubens Beçak, jurista e historiador da Universidade de São Paulo (USP), complementa, lembrando a rica tradição do Brasil na ONU, incluindo o diplomata Oswaldo Aranha (1894-1960), que presidiu a sessão da Assembleia Geral da ONU de 1947 que aprovou a resolução criadora do Estado de Israel. Coimbra ratifica que a trajetória brasileira nesse período foi de conquistas, e Aranha “entrou para a história” com sua presidência, sendo o Brasil percebido pelos Estados Unidos como um “parceiro crucial e um líder regional estável”, alinhado a valores democráticos. Para mais informações sobre a criação da ONU e seus princípios, você pode consultar o site oficial do Ministério das Relações Exteriores.

A socióloga Carolina Pavese, doutora em relações internacionais pela London School of Economics, salienta que o histórico da participação brasileira na fundação da ONU resultou em legado de influência e prestígio. Para uma “potência média”, como o Brasil, o multilateralismo e a diplomacia se tornam “ferramentas estratégicas para que a gente consiga promover melhor os nossos interesses e agendas”, de acordo com sua “compreensão de governança” e prioridades nacionais. O historiador Victor Missiato, pesquisador no Instituto Mackenzie, enfatiza que os primeiros passos do Brasil na ONU foram fundamentais para consolidar a imagem que o país projeta internacionalmente até hoje. Aliado dos Estados Unidos na Segunda Guerra, o Brasil teve “protagonismo muito grande na criação da ONU, principalmente por meio de um ativismo diplomático”, liderando discursos e capitalizando a percepção de que a América do Sul “tem um líder” em uma região apaziguada. Tais alicerces deram origem ao multilateralismo que o Brasil defende até os dias atuais, moldando seu papel como construtor de pontes entre o Sul e o Norte, tornando-se, em suma, o “país do diálogo”.

Em suma, a participação do Brasil na criação da Organização das Nações Unidas não apenas cimentou sua relevância diplomática no cenário global, mas também moldou sua identidade como um ator de destaque, que apesar de não conquistar um assento permanente, alcançou influência e um papel de liderança através da defesa da igualdade e do multilateralismo. Continue acompanhando nossas notícias sobre política e relações internacionais para entender a fundo o papel do Brasil no mundo. Acesse nossa editoria de Política.

Crédito: Getty Images


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