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A recente aprovação da PEC da Blindagem: Riscos e Críticas à Democracia Atual na Câmara dos Deputados tem gerado intenso debate, reacendendo discussões sobre a funcionalidade das instituições democráticas brasileiras. Esta medida surge em um cenário de grandes contrastes, apenas uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter proferido uma condenação substancial contra um ex-presidente por envolvimento em eventos golpistas pós-eleições de 2022, resultando em 27 anos e três meses de prisão por diversos crimes. A simultaneidade desses eventos coloca em evidência as tensões e os dilemas que permeiam a política nacional.
O contraponto entre a firmeza do judiciário na responsabilização de figuras públicas e a proposta legislativa que visa dificultar processos criminais contra parlamentares expõe uma aparente dicotomia no sistema. Este contexto de “avanços e retrocessos ao mesmo tempo” é, para o filósofo e pesquisador Marcos Nobre, um claro reflexo da instabilidade inerente a um país cuja democracia opera de “maneira disfuncional há pelo menos dez anos”. Nobre, professor titular de Filosofia Política da Unicamp e pesquisador do Cebrap, enfatiza que o Brasil vive com instituições que “não estão funcionando perfeitamente bem, que estão fazendo o seu papel”.
Para o pesquisador, esta instabilidade complexa possibilitou um feito democrático “inédito, extraordinário e exemplar” no cenário mundial: a punição da liderança por trás da tentativa de golpe. Contudo, em uma via oposta, a Câmara dos Deputados avançou com a que muitos denominam PEC da Blindagem, uma medida interpretada como uma espécie de “anistia preventiva” para deputados que possam cometer crimes, provocando preocupações sobre a transparência e a accountability.
A polarização também se manifesta na percepção pública, onde a aprovação de uma anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de estado de 2022 revela uma divisão espantosamente próxima da sociedade: levantamentos indicam 41% de oposição contra 36% de apoio, evidenciando um país profundamente fraturado. Este quadro sugere que qualquer mínima oscilação poderá determinar a vitória em pleitos futuros.
O professor Marcos Nobre também delineou as projeções para a corrida presidencial de 2026, indicando um rearranjo de forças. Ele descreve a aliança entre o que denomina “extrema-direita” e uma “direita sem medo” – aquela disposta a se associar com a extrema-direita – como a mais provável para as candidaturas vindouras. A chapa com Tarcísio de Freitas e Flávio Bolsonaro surge, na análise de Nobre, como o cenário mais concreto. Essa aliança é vista como um meio de angariar os votos do ex-presidente, mesmo sem sua elegibilidade, e buscar uma anistia penal que permita a ele influenciar a chapa substituta.
Nobre salienta que, dentro dessa aliança, existe uma disputa interna pela hegemonia, onde a direita tradicional subestima o poder da extrema-direita. Enquanto a direita “sem medo” geralmente assume que pode controlar a extrema-direita, o pesquisador aponta que esta premissa costumeiramente se mostra equivocada. A extrema-direita possui uma vantagem tática por saber com clareza para onde quer ir, além de contar com um “partido digital” altamente engajador e mobilizador. Essa estrutura proporciona à extrema-direita um poder de engajamento que a direita tradicional muitas vezes não detém de forma autônoma, tornando-a dependente para a mobilização de bases eleitorais. A presença de um filho do ex-presidente como vice na chapa, como o Flávio Bolsonaro, seria um indício da prevalência da extrema-direita na disputa interna por influência.
Do outro lado do espectro político, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresenta uma candidatura que, em termos de taxas de aprovação, é “competitiva, mas não confortável”. Sua campanha promete ser “muito equilibrada”, apesar de contar com as vantagens do cargo e a recuperação econômica, ainda que sem grandes picos. Políticas sociais em reconstrução, como o programa Pé de Meia, devem começar a surtir efeito no próximo ano.
As alianças políticas também estão em xeque. Partidos como MDB e PSD ainda não definiram seu posicionamento para 2026, com o presidente do PSD, Gilberto Kassab, em uma posição complexa por ser secretário do governo Tarcísio e aspirar ao governo de São Paulo. Isso cria um dilema para o partido, que historicamente tem a tendência de liberar seus membros para apoiar quem desejarem nas eleições presidenciais. Para Lula, a busca por alianças com a direita tradicional é mais restrita, enquanto a maior parte do “centrão”, incluindo Progressistas, União Brasil e Republicanos, já se alinha à candidatura ligada à extrema-direita, reforçando a complexidade do cenário político.
A transformação do ex-presidente em um mártir é uma estratégia percebida como benéfica para a aliança da direita, potencializando a mobilização da base digital bolsonarista. Contudo, suas restrições de comunicação, seja em prisão domiciliar ou em presídio, significam que ele terá que agir por meio de intermediários, limitando sua fala direta. Essa situação, embora impeça o ex-presidente de comunicar-se livremente, também o transforma em uma espécie de “recipiente vazio” onde diferentes narrativas de campanha podem ser depositadas, uma vez que ele não pode contradizê-las diretamente. Figuras como o deputado Nikolas Ferreira ilustram que o bolsonarismo transcende o próprio ex-presidente, com outros líderes sendo capazes de mobilizar grupos online eficazmente, sinalizando uma evolução na lógica do partido digital bolsonarista.
A meta da extrema-direita, na visão de Nobre, permanece sendo o autoritarismo. Embora a via do golpe tenha sido “exemplarmente punida”, a estratégia agora parece ser a de “corroer as instituições por dentro”, seguindo um manual de autoritarismo do século 21. O fato de a PEC da Blindagem ter sido aprovada na Câmara, mesmo sob o foco de um julgamento importante e o debate sobre uma anistia maior, é apontado por Nobre como uma “manobra diversionista” orquestrada pela presidência da Câmara. Essa estratégia teria como objetivo diluir a atenção pública sobre a gravidade da proposta, enquanto os olhos se voltam para o julgamento do STF ou para a campanha pela anistia. Independentemente de seu destino no Senado ou do eventual veto do Executivo e Judiciário, a aprovação da PEC na Câmara dos Deputados é, por si só, considerada um “escândalo absoluto” e um sinal claro de que o “conjunto do sistema político” encontra interesse em tal blindagem.
Este cenário de polarização e debates legislativos intensos moldará o futuro político do Brasil, evidenciando a importância de um olhar crítico sobre as propostas em discussão e os posicionamentos das lideranças. Para aprofundar a compreensão sobre os bastidores da política nacional e o que esperar do próximo pleito, continue acompanhando nossas análises detalhadas na editoria de Eleições 2026.
Crédito, Paulo Pinto/Agência Brasil

Imagem: bbc.com
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