Perigos da Inteligência Artificial em Viagens Turísticas

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O uso da Inteligência Artificial em Viagens Turísticas, antes visto como uma promessa de facilidade, revela agora uma faceta perigosa. Exemplos recentes demonstraram que a confiança cega em ferramentas de IA pode levar a situações de frustração ou, em casos mais graves, colocar a vida de viajantes em risco, evidenciando a necessidade de vigilância e verificação de informações.

A preocupação com a segurança de turistas aumentou após um incidente notável no Peru, que expôs a capacidade da inteligência artificial de gerar destinos completamente inexistentes. Dois turistas, baseados em um itinerário detalhado e convincente fornecido por uma ferramenta de IA, planejaram uma desafiadora caminhada sem acompanhamento pelas montanhas até um local que batizaram de “Cânion Sagrado de Humantay”.

Perigos da Inteligência Artificial em Viagens Turísticas

Miguel Ángel Gongora Meza, fundador e diretor da Evolution Treks Peru, interceptou a conversa dos viajantes enquanto se preparava para uma expedição nos Andes. Segundo ele, o nome “Cânion Sagrado de Humantay” é uma combinação de dois locais sem qualquer relação geográfica com a descrição apresentada pela IA. Os turistas, desorientados e sem guia, chegaram a uma estrada rural próxima a Mollepata, na região de Cusco, sem um destino real, após investirem cerca de US$ 160 (equivalente a aproximadamente R$ 850) em um roteiro ilusório.

Mais do que o prejuízo financeiro e a desilusão, Gongora Meza alertou para os riscos à integridade física dos viajantes. Em áreas de grande altitude como o Peru, onde as condições climáticas podem mudar drasticamente e o acesso a oxigênio e sinal telefônico é limitado, um erro de navegação impulsionado pela desinformação da IA pode ter consequências fatais. A IA, ao “combinar imagens e nomes para criar uma fantasia”, como descreveu o diretor, pode direcionar pessoas a altitudes extremas, de até 4 mil metros, sem preparo adequado e suporte vital.

O Crescente Cenário do Turismo Pós-IA

Em apenas alguns anos, ferramentas de inteligência artificial generativa, incluindo o ChatGPT, Microsoft Copilot e Google Gemini, transcendem a novidade tecnológica para se tornarem parte integrante do processo de planejamento de viagem para milhões globalmente. Dados recentes de uma pesquisa indicam que 30% dos viajantes internacionais já utilizam tais plataformas e sites especializados, como Wonderplan e Layla, para auxiliar na organização de seus roteiros. Embora possam fornecer dicas valiosas, estas tecnologias frequentemente expõem os usuários a informações incorretas, que podem levar a frustrações significativas ou cenários perigosos em seus destinos.

Diversos turistas estão confrontando essa realidade ao desembarcarem em seus destinos apenas para descobrir que receberam instruções imprecisas, ou pior, que foram encaminhados a locais que residem exclusivamente na “imaginação cabeada de um robô”. Essa lacuna entre o roteiro virtual e a realidade física tem gerado uma onda de experiências negativas e serve como um alerta para a indispensável verificação humana.

Casos Reais de Desinformação e Riscos Imprevistos

Um episódio notável envolveu Dana Yao, criadora de conteúdo focada em viagens no Japão, e seu marido. Ambos utilizaram o ChatGPT no início do ano para planejar uma ascensão romântica ao Monte Misen, na ilha de Itsukushima. Após uma visita tranquila à cidade de Miyajima, seguiram as orientações da IA e partiram para a montanha às 15 horas, com a meta de testemunhar o pôr do sol no pico.

Contudo, a IA os direcionou a uma armadilha logística. Ao se prepararem para a descida, por volta das 17h30, o último teleférico, segundo as informações fornecidas pelo ChatGPT, já deveria ter partido. “O ChatGPT disse que o último teleférico desceria às 17h30, mas, na verdade, ele já estava fechado”, relatou Yao, “Por isso, ficamos presos no topo da montanha”. Esse caso ilustra como informações de horário imprecisas, geradas pela IA, podem transformar uma viagem planejada em uma situação de risco inesperado, expondo os viajantes a intempéries ou falta de recursos em um local isolado.

A recorrência desses equívocos por parte da inteligência artificial é notável. Em 2024, a BBC revelou que a plataforma Layla, dedicada a itinerários de viagem, chegou a informar a seus usuários sobre a existência de uma Torre Eiffel em Pequim, na China – uma afirmação manifestamente falsa. O mesmo site sugeriu a um turista britânico uma rota para maratona no norte da Itália que se mostrou logisticamente inviável, levando-o a gastar mais tempo em deslocamento do que desfrutando da paisagem.

Tais relatos não são anomalias isoladas, mas reflexo de uma tendência preocupante. Uma pesquisa de 2024 aponta que 37% dos indivíduos que empregaram IA no planejamento de viagens constataram uma lacuna na profundidade das informações, e um terço, ou seja, 33%, indicaram que as recomendações da inteligência artificial continham dados inverídicos. Essas estatísticas ressaltam a urgência de uma abordagem mais crítica e verificada ao utilizar estas tecnologias.

Decifrando as “Alucinações” da Inteligência Artificial

As imprecisões observadas nas recomendações de viagem geradas por inteligência artificial são uma consequência direta do modo como esses sistemas produzem suas respostas. O professor de aprendizado de máquina Rayid Ghani, da Universidade Carnegie Mellon, esclarece que programas como o ChatGPT, embora capazes de oferecer conselhos que parecem racionais e úteis, não operam com compreensão factual intrínseca. Para Ghani, a IA “só conhece palavras”, processando-as com base em probabilidades estatísticas, sem distinguir entre diferentes tipos de conselhos — sejam eles de viagem, orientação ou receitas culinárias.

Os grandes modelos de linguagem, incluindo o ChatGPT, trabalham com a análise de vastas coleções de textos para organizar palavras e frases que, estatisticamente, configuram respostas apropriadas. Esse método, em algumas circunstâncias, resulta em informações altamente precisas. No entanto, em outras ocasiões, ele pode levar à produção do que especialistas chamam de “alucinações”: instâncias em que as ferramentas de IA simplesmente inventam dados. A dificuldade reside no fato de que os programas de IA apresentam essas invenções e as informações factuais com a mesma convicção, tornando complexa para os usuários a distinção entre o real e o fabricado.

Perigos da Inteligência Artificial em Viagens Turísticas - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

No episódio do “Sagrado Cânion de Humantay”, Ghani supõe que a IA combinou termos que soavam apropriados para a região sem possuir uma compreensão contextual do ambiente. Da mesma forma, a capacidade da inteligência artificial de processar enormes volumes de dados não se traduz necessariamente em um entendimento prático do mundo físico. Assim, um programa de IA pode facilmente confundir uma breve caminhada urbana de 4 km com uma escalada montanhosa de mesma distância e complexidade, negligenciando as profundas diferenças topográficas e de segurança, sem sequer considerar a propagação pura e simples da desinformação.

Implicações Além do Roteiro de Viagem

A proliferação de conteúdos gerados ou alterados por IA estende-se para além dos itinerários de viagem. Uma matéria da Fast Company narrou a experiência de um casal que viajou para a Malásia em busca de um teleférico panorâmico que haviam visto no TikTok, descobrindo no local que a estrutura nunca existiu. O vídeo, totalmente gerado por inteligência artificial, tinha o objetivo desconhecido de engajamento ou de semear desinformação. Estes incidentes se encaixam em uma tendência maior de criações por IA que sutilmente, ou não tão sutilmente, distorcem nossa percepção da realidade.

Em agosto, o YouTube foi alvo de críticas ao usar IA para alterar vídeos de criadores de conteúdo sem autorização, “editando” delicadamente imagens de vestuário, cabelos e rostos. Similarmente, no início de 2025, a Netflix enfrentou problemas ao tentar “remasterizar” séries cômicas antigas usando IA, gerando distorções bizarras em rostos de celebridades televisivas das décadas de 1980 e 1990. Com a crescente utilização da inteligência artificial para realizar estas modificações imperceptíveis, a fronteira entre o real e um mundo de “sonhos” aprimorado pela IA começa a se diluir também para os turistas, afetando sua capacidade de experienciar a realidade de forma autêntica.

Javier Labourt, psicoterapeuta clínico, pesquisa os efeitos do turismo na saúde mental e no senso de conexão humana. Ele manifesta receio de que a crescente onda de desinformação gerada pela IA possa minar os benefícios inerentes da experiência de viajar. Labourt enfatiza que o turismo é uma oportunidade única para interagir com culturas diversas e indivíduos singulares, promovendo empatia e compreensão. Contudo, as “alucinações” da IA que entregam dados falsos constroem narrativas equivocadas sobre um destino, falseando a realidade para os turistas mesmo antes de sua partida, prejudicando o valor fundamental da descoberta genuína.

Vigilância e Regulação no Uso de IA para o Turismo

Existem atualmente diversas iniciativas em andamento visando à regulamentação da forma como a inteligência artificial apresenta informações aos usuários. Propostas em desenvolvimento pela União Europeia e pelos Estados Unidos buscam estabelecer diretrizes para a inclusão de marcas d’água ou outros indicadores visuais, que permitam aos usuários identificar conteúdos que foram alterados ou totalmente gerados por IA. Essas medidas visam trazer maior transparência e ajudar a combater a proliferação da desinformação em várias esferas, incluindo o planejamento de viagens.

Contudo, Rayid Ghani mantém um posicionamento cético quanto à eficácia completa dessas regulamentações na erradicação da desinformação. Ele afirma que “existe muito trabalho por aí em relação à desinformação. Como detectá-la? Como ajudar as pessoas [a identificá-la]? Hoje em dia, a mitigação é uma solução mais confiável do que a prevenção”. Para Ghani, mesmo com as regulamentações em vigor para sinalizar conteúdos gerados por IA, elas dificilmente conseguirão resolver a questão central quando um chatbot de IA simplesmente inventa dados em meio a uma conversa interativa, um desafio inerente à sua arquitetura.

Especialistas da área, incluindo Sundar Pichai, CEO da Google, advertem que as “alucinações” são potencialmente uma “característica inerente” aos grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT ou o Gemini. Portanto, a medida mais eficaz para os usuários que optam por integrar a inteligência artificial em seu planejamento de viagem é manter-se extremamente vigilante. A principal recomendação de Ghani é ser o mais específico possível nas consultas à IA e, crucialmente, verificar e validar absolutamente todas as informações geradas, comparando-as com fontes confiáveis. Ele admite que esta abordagem apresenta dificuldades específicas no turismo, já que os viajantes frequentemente pesquisam sobre locais que lhes são desconhecidos.

Por isso, uma sugestão valiosa é desconfiar de qualquer recomendação de viagem que pareça excessivamente perfeita ou utópica, pois esta pode ser uma bandeira vermelha de que a IA está fabricando dados. Ghani conclui que o tempo dedicado à verificação das informações geradas pela inteligência artificial pode, em certas situações, tornar o processo de planejamento tão ou mais trabalhoso do que as metodologias tradicionais. O psicoterapeuta Javier Labourt resume que, para uma viagem bem-sucedida, seja com ou sem o auxílio da IA, a chave é manter uma mente aberta e ser capaz de se adaptar às adversidades. “Se você já estiver ali, como irá resolver? Você já está fazendo uma viagem incrível, sabe?”, aconselha ele, priorizando a experiência e a resiliência humana sobre as falhas tecnológicas.

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Este cenário sublinha a necessidade imperativa de uma abordagem crítica e ativa ao utilizar ferramentas de inteligência artificial no turismo, não apenas como um avanço tecnológico, mas como um elemento que exige discernimento e responsabilidade. Para aprofundar a compreensão sobre os impactos da tecnologia na sociedade, bem como outras análises detalhadas sobre diversos temas, continue explorando nossa editoria.

Crédito, Getty Images


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