Pesquisa de Brasileiro É Citada no Nobel de Física

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O renomado físico brasileiro Amir Caldeira, que se aposentou formalmente da Unicamp em 28 de agosto, viu sua rotina de professor, iniciada em 1980, transformar-se subitamente. Nos últimos dias, após o anúncio do Prêmio Nobel de Física em 7 de outubro, ele não cessa de conceder entrevistas e participar de eventos, devido à citação de seu trabalho de doutorado na laureada pesquisa. O professor brinca que sua situação pálida perto da dos agraciados: o britânico John Clarke, o francês Michel Devoret e o americano John Martinis.

O trio foi agraciado com o Nobel por sua contribuição à compreensão de fenômenos quânticos em escala macroscópica. De maneira simplificada, suas descobertas revelaram que certas características, antes exclusivas do mundo subatômico e suas diminutas partículas, também podem ser observadas em objetos de maior porte, como em circuitos elétricos. Estes experimentos pioneiros abriram caminho para o desenvolvimento da computação quântica e tiveram como base a teoria desenvolvida por Caldeira em conjunto com seu orientador, Anthony Leggett (vencedor do Nobel de Física em 2003), na Universidade de Sussex, no Reino Unido, no final dos anos 1970.

Pesquisa de Brasileiro É Citada no Nobel de Física

A “dissipação quântica”, tema da tese de Caldeira, curiosamente, não estava em seus planos iniciais quando viajou do Rio de Janeiro para a Inglaterra para realizar seu PhD. O físico brasileiro considerava o assunto “meio chato” e admite que não era seu foco principal, rindo ao relembrar como o acaso inseriu esse campo de estudo em sua vida acadêmica repetidamente. Essa pesquisa viria a transformá-lo em uma referência internacional.

A Bizarra Lógica da Mecânica Quântica

Caldeira, Leggett e o trio do Nobel são dedicados à mecânica quântica, uma teoria que em 2025 completará cem anos e que busca descrever o comportamento de partículas infinitesimais, menores que o átomo. As leis da física clássica não conseguem explicar o mundo subatômico, repleto de fenômenos descritos como “estranhos”, “bizarros” e “chocantes” pelo próprio Caldeira e seus colegas.

Entre esses fenômenos está a impossibilidade de determinar simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula subatômica, como um fóton ou um elétron. Quanto maior a precisão na medição da posição, menos precisa será a determinação de sua massa e velocidade, e vice-versa. Este é o célebre “princípio da incerteza”, formulado por Werner Heisenberg, um dos fundadores da mecânica quântica.

Outra característica peculiar é a “superposição quântica”, que permite que um objeto subatômico exista em múltiplos estados ao mesmo tempo, comportando-se simultaneamente como partícula e como onda. Essa dualidade, no entanto, é observável apenas enquanto a partícula não é submetida a uma medição direta. Ao ser observada, ela “escolhe” um dos estados possíveis.

Esta concepção causou grande desconforto em Erwin Schrödinger, que em 1935 buscou refutá-la com seu paradoxo do gato. Em um experimento mental, um gato seria fechado em uma caixa por uma hora, junto com um mecanismo que poderia, aleatoriamente, matá-lo. Após o período, na visão de Schrödinger, antes da abertura da caixa, o gato estaria em um estado de superposição, simultaneamente vivo e morto, um cenário que ele considerava absurdo para o mundo macroscópico. Apesar de quase um século de experimentos comprovarem o absurdo do “gato de Schrödinger” para o nosso mundo cotidiano, a mecânica quântica demonstrou que essa ideia se aplica de fato a objetos menores que o átomo.

Do Tunelamento à Computação Quântica

O trabalho laureado com o Prêmio Nobel neste ano conecta-se a outra propriedade peculiar da física quântica: o tunelamento quântico. Nele, uma partícula consegue atravessar uma barreira que, segundo a física clássica, seria intransponível. Analogicamente, seria como atirar uma bola contra uma parede e, em vez de ela ricochetear, ela a atravessasse.

Em 1985, John Clarke, Michel Devoret e John Martinis demonstraram ser possível replicar essa propriedade em objetos maiores do que as partículas subatômicas – embora não tão grandes quanto uma bola, ainda assim, suficientemente grandes para que, teoricamente, não estivessem sob as “leis esquisitas” da física quântica.

Essa façanha só foi possível devido ao trabalho de doutorado de Amir Caldeira, publicado cinco anos antes. O físico brasileiro investigou a dissipação quântica, fenômeno de perda das propriedades quânticas em sistemas maiores conforme eles interagem com o ambiente, como os resistores em circuitos elétricos. Quanto maior a dissipação, menor a taxa de tunelamento, que pode até ser completamente suprimida.

Pesquisa de Brasileiro É Citada no Nobel de Física - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Com base no “modelo Caldeira-Leggett”, como a teoria ficou conhecida, Clarke, Devoret e Martinis compreenderam o que gerava a dissipação e conseguiram controlá-la, replicando assim as propriedades quânticas em circuitos elétricos. O físico Roberto Venegeroles, professor da Universidade Federal do ABC, explica que o trabalho de Caldeira e Leggett foi “crucial porque circuitos reais, como as junções Josephson [dispositivo estudado pelo brasileiro e usado pelos laureados], nunca estão completamente isolados, sempre existe algum grau de acoplamento ao ambiente, o que leva à dissipação”. Para saber mais sobre a importância global do Nobel de Física e o avanço da ciência, consulte o site oficial do Prêmio Nobel.

Aplicações e o Legado de Amir Caldeira

A descoberta do trio e o trabalho fundamental de Caldeira pavimentaram o caminho para uma série de inovações, sendo o exemplo mais notório a computação quântica. Nela, partículas quânticas supercondutoras, oriundas de junções Josephson, utilizam o tunelamento macroscópico para armazenar e manipular informações quânticas. Isso permite aos computadores processar volumes muito maiores de dados e solucionar problemas de alta complexidade. Outras aplicações incluem os sensores quânticos, utilizados desde a medicina (com técnicas como a magnetoencefalografia para diagnosticar doenças) até a geofísica e a exploração espacial.

Nos anos 1970, porém, as aplicações práticas desse campo da física não eram tão evidentes para Amir Caldeira. O professor destaca que isso é uma regra geral na ciência, que não se desenvolve de forma linear, ao contrário da expectativa de “produtos na prateleira em dois anos”. Seu primeiro contato com a dissipação quântica foi no mestrado, sugerido pelo orientador Nicim Zagury. Ele confessou ter “torcido o nariz”, interessado em transições de fase, a teoria em voga. No doutorado, uma série de eventos casuais, incluindo a abordagem de outro professor de Sussex a Leggett com perguntas sobre junções Josephson, o trouxe de volta ao tema. A repercussão do trabalho o surpreendeu: “Sabia que tinha resolvido um problema, mas não sabia que tinha tanto interesse nesse negócio”, ele recorda.

Uma Vida Dedicada à Física e à Ciência Brasileira

Caldeira, um apaixonado por física teórica, gosta de entender “como a coisa está funcionando” e brinca sobre ser um péssimo físico experimental, propenso a “tocar fogo nas coisas” em laboratório. Ele fala sobre mecânica quântica com entusiasmo tanto para especialistas quanto para o público geral, exemplificado por uma palestra de 2016 na USP de São Carlos, que acumula 1,2 milhão de visualizações no YouTube, sendo o segundo vídeo mais assistido do campus.

Ao longo de sua vasta carreira acadêmica, formou dezenas de pesquisadores, alguns deles hoje liderando laboratórios globalmente, e orientou 17 dissertações de mestrado e 13 teses de doutorado. Ricardo Luís Doretto, seu ex-aluno e atual chefe do departamento de Física da Matéria Condensada da Unicamp, recorda que ao viajar, a menção de ter doutorado com Caldeira causava admiração. Um evento de três dias em homenagem a Caldeira, a “Frontiers in Quantum Mechanics and the 45 years of the Caldeira-Leggett Model”, começou em 13 de outubro na Unicamp, reunindo pesquisadores de várias partes do mundo. A celebração dos seus 75 anos, completados em outubro, havia sido adiada desde 2020 devido à pandemia. A surpresa da menção no Nobel intensificou a alegria do evento.

Amir Caldeira é um ferrenho defensor da ciência brasileira, afirmando que o país tem plena capacidade de desenvolver alta tecnologia se investir corretamente em pessoas e projetos, citando a Embraer e o Sirius, acelerador de partículas em Campinas, como exemplos. Mesmo aposentado, ele segue vinculado à universidade como professor sênior, livre de obrigações administrativas, para se dedicar ao ensino e à pesquisa de tópicos que antes não pôde explorar, como a quantização da gravidade. Ele afirma: “Eu me aposentei dos ossos do ofício, de toda e qualquer chatice. Agora posso curtir”.

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A história de Amir Caldeira ilustra a importância da persistência e da pesquisa básica na construção do conhecimento científico, com repercussões globais. Seu trabalho fundamental, que inadvertidamente o levou a se tornar uma figura central para o Nobel de Física, demonstra o impacto de um brasileiro na ciência mundial. Para aprofundar-se em outras notícias sobre ciência, tecnologia e inovações que transformam nosso mundo, continue navegando em nossa editoria.

Crédito, Arquivo pessoal


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