Política Econômica de Milei na Argentina: Sucesso e Divisão

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A política econômica de Milei na Argentina tem gerado um cenário de contrastes marcantes. Em setembro de 2023, durante um comício eleitoral em San Martín, Buenos Aires, o então candidato Javier Milei exibia uma motosserra ruidosa, um símbolo explícito de sua promessa de “cortar” drasticamente o estado. Ele criticava o tamanho inchado do governo e suas dívidas anuais que superavam a produção econômica nacional, prometendo reduzir ministérios, subsídios e a “casta política”.

Naquela época, a Argentina enfrentava uma situação financeira calamitosa. Dados oficiais indicavam que a inflação anual em 2023 havia ultrapassado 211%, e cerca de 40% da população vivia em condição de pobreza. Anos de gastos públicos elevados e a dependência da impressão de dinheiro, bem como de empréstimos para cobrir déficits, haviam empurrado o país para um persistente ciclo de endividamento e alta inflação. O novo presidente assumiu o comando da nação em dezembro de 2023, com o desafio de reverter um panorama econômico complexo e deteriorado.

Política Econômica de Milei na Argentina: Sucesso e Divisão

Menos de dois anos após sua posse, os principais indicadores econômicos apresentam mudanças notáveis: a Argentina alcançou seu primeiro superávit fiscal em 14 anos, e a inflação anual, que atingia patamares de três dígitos, registrou uma queda para aproximadamente 36%. Estas medidas resultaram em reconhecimento internacional. Kemi Badenoch, líder do Partido Conservador do Reino Unido, citou as ações de Milei como um possível “modelo” para um futuro governo conservador. Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump chegou a se referir a Milei como “meu presidente favorito” e, em um encontro em Washington na última terça-feira, 14 de outubro, expressou novos elogios ao argentino. Trump afirmou que Milei “é puro Maga”, fazendo alusão ao seu próprio slogan de campanha “Make America Great Again”. Em contrapartida, o presidente argentino expressou sentir-se “honrado” com a visita à Casa Branca e reconheceu os esforços de Trump pela paz no Oriente Médio.

Milei, Trump e o Apoio Financeiro Internacional

O encontro entre os dois líderes não se restringiu a formalidades e trocas de elogios; ele celebrou um acordo de assistência financeira oferecido pelos Estados Unidos à Argentina, visando estabilizar a crise cambial do país. Washington tomou a decisão estratégica de converter US$ 20 bilhões (equivalente a R$ 109 bilhões) de dólares em pesos argentinos, oferecendo um respaldo crucial à moeda local com o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI). Este movimento sugere que a política de choque fiscal de Milei tem recebido aprovação por parte de importantes credores internacionais. Contudo, Donald Trump foi enfático ao sublinhar que essa ajuda possuía uma conotação eleitoral, visando impulsionar a popularidade de Milei nas pesquisas antes das eleições de meio de mandato, marcadas para 26 de outubro. O ex-presidente dos EUA declarou: “Acho que eles vão melhorar depois disso”, e endossou a candidatura de Milei à reeleição em 2027. Trump também condicionou a continuidade do suporte financeiro norte-americano à permanência de Milei no poder: “Se ele perder, não seremos tão generosos com a Argentina. Nossos acordos estão sujeitos a quem vencer a eleição”, alertou, demonstrando o alinhamento político entre os dois líderes. É possível consultar mais sobre o engajamento do FMI na economia argentina em seu portal oficial.

A Outra Face da Moeda: Protestos e Consequências Sociais

Apesar do fervoroso apoio internacional, a implementação das medidas econômicas de Milei apresenta uma realidade multifacetada. No território argentino, a resposta às reformas tem sido marcada por uma série de protestos públicos, que frequentemente escalam para confrontos entre manifestantes e forças policiais, com uso de gás lacrimogêneo, balas de borracha e jatos d’água. Mercedes D’Alessandro, economista de linha esquerdista e candidata ao Senado, argumenta que Milei havia prometido, durante sua campanha, que o “ajuste” seria custeado pela “casta”, referindo-se aos indivíduos mais abastados, à classe política e aos empresários. No entanto, ela afirma que as reformas resultaram em cortes orçamentários para aposentados e para o sistema de saúde, impactando desproporcionalmente as classes trabalhadoras em vez dos grupos visados.

Críticos das políticas do atual governo argentino apontam que o custo real das reformas implementadas se traduz em uma recessão econômica, perda massiva de postos de trabalho, enfraquecimento dos serviços públicos essenciais e uma drástica redução no orçamento disponível para as famílias. Analistas econômicos chegam a prever que o país está à beira de mergulhar em um cenário recessivo mais profundo. Desta forma, Milei parece ter provocado um paradoxo: conquistas macroeconômicas prometidas, como a redução do déficit fiscal, são visíveis “no papel”, mas seu governo enfrenta uma significativa perda de apoio político. Esta instabilidade, por sua vez, tem assustado os mercados financeiros e pode, paradoxalmente, minar a sustentabilidade de seu próprio projeto econômico. Com as eleições de meio de mandato no horizonte de 26 de outubro, a questão central é se o eleitorado argentino o “punirá” por suas ações radicais e se a diminuição do respaldo político comprometerá, de fato, os avanços econômicos obtidos.

Argentinos Arcam com o Custo das Reformas

A cerca de 1.120 quilômetros de Buenos Aires, na província de Misiones, a apreensão toma conta de Ygor Sobol, um agricultor de chá. “Estamos todos regredindo economicamente”, lamenta, descrevendo como foi forçado a “fechar a folha de pagamento”, ficando completamente sem funcionários. Sua família, que por três gerações se dedicou ao cultivo de erva-mate, ingrediente essencial para uma bebida popular entre os argentinos, vê seu negócio em declínio. Desde a desregulamentação do setor promovida por Milei, que eliminou os preços mínimos, as colheitas de Sobol agora valem menos do que o custo de sua produção. Sem condições de arcar com tarefas básicas como limpeza e adubação das plantações, ele enfrenta decisões difíceis sobre os sacrifícios que sua família terá de fazer.

A multimilionária indústria têxtil argentina também sofre os efeitos das mudanças. Luciano Galfione, presidente da Fundación Pro Tejer, relata fechamentos de empresas e demissões “diárias”. Diferente da abordagem de “America First” de Trump, que prioriza tarifas para proteger a indústria local, Milei reduziu tarifas e outros critérios para importações. Galfione argumenta: “Tenho controles ambientais, controles trabalhistas, nós não pagamos US$ 80 por mês, nem temos jornadas de 16 horas, como é permitido em locais como Bangladesh e Vietnã. Isso cria um campo de competição desigual.” Ele avalia que o influxo de importações tem prejudicado os produtores nacionais, resultando na perda de “mais de 10 mil empregos diretos” em seu setor, um número que seria “muito maior” ao se contabilizar os postos indiretos. Adicionalmente, Galfione responsabiliza o encarecimento dos serviços públicos, da saúde e das mensalidades escolares pela diminuição da renda disponível da população, o que, consequentemente, reduz o poder de compra e o consumo de vestuário. Mesmo diante deste cenário, o presidente Milei mantém sua convicção de que as medidas implementadas trarão melhorias significativas para a vida dos cidadãos comuns argentinos.

A Austeridade Sem Alternativa

Na etapa final da campanha eleitoral, Javier Milei veiculava a ideia de que não existia outra rota senão a de cortes profundos. Para além da crescente inflação, vastos subsídios governamentais mantinham artificialmente baixos os preços da energia e dos transportes. Os dispêndios públicos já eram elevados mesmo antes do surgimento da pandemia de Covid-19, e controles de preços rígidos limitavam os valores de certos produtos. Adicionalmente, a Argentina carregava uma dívida considerável de aproximadamente R$ 226 bilhões com o Fundo Monetário Internacional. “A demanda por gasto público era brutal”, contextualiza Ramiro Castiñeira, economista da consultoria Econométrica, um notório defensor das políticas de Milei. Ele prossegue: “A sociedade parecia disposta a conviver com tanta inflação, ou não percebia que a inflação era resultado de tanto gasto público.”

A inflação galopante erodia incessantemente o poder de compra do peso argentino. Diante da desvalorização acelerada de sua moeda, muitos cidadãos argentinos, movidos pelo medo de ver seu dinheiro se tornar obsoleto de um dia para o outro, recorriam a cambistas ilegais para adquirir dólares em volumes desproporcionais. “Tudo era uma grande bagunça”, descreve Martin Rapetti, professor de economia na Universidade de Buenos Aires e diretor-executivo do centro de estudos Equilibria. “As pessoas sentiam o dinheiro escorrer pelos dedos como se fosse água.” Para a maioria dos economistas, uma reforma drástica era imperativa para reinstaurar a confiança. E foi exatamente essa transformação radical que Milei prometeu, inclusive ao arrancar simbolicamente nomes de ministérios como o da Cultura e o da Mulher de um quadro branco, enquanto proclamava “Fora!”.

Política Econômica de Milei na Argentina: Sucesso e Divisão - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Entre as diversas ações de austeridade, Milei promoveu a redução pela metade do número de ministérios do governo, demitiu dezenas de milhares de funcionários públicos e implementou cortes orçamentários severos em setores cruciais como educação, saúde, previdência e infraestrutura. Ele também eliminou subsídios, o que resultou na elevação dos preços da energia e do transporte. A desvalorização inicial do peso em 50% provocou uma disparada da inflação, mas subsequentemente, a taxa inflacionária recuou à medida que o poder de compra da população diminuiu e a demanda esfriou, demonstrando os efeitos ambivalentes de sua terapia de choque econômico.

Ecos do Thatcherismo e os Desafios de Longo Prazo

Em abril de 2024, no escritório de Milei, encontravam-se esculturas do presidente brandindo uma motosserra e porta-copos estampados com o rosto de Margaret Thatcher. É notório que a ex-primeira-ministra britânica é vista com ressentimento por muitos argentinos devido à Guerra das Malvinas, mas Milei expressou sua admiração, considerando-a “brilhante”. No mês anterior, um jornal britânico descreveu a abordagem do líder argentino como contendo “ecos do Thatcherismo”. Miguel Boggiano, economista e membro do conselho consultivo econômico de Milei, exalta o presidente por sua capacidade de controlar a inflação e reduzir o déficit. “Levando em conta o ponto de partida, isso é uma conquista enorme”, ele argumenta, acreditando que tais medidas contribuirão para diminuir a pobreza a longo prazo, permitirão a redução de impostos e facilitarão o planejamento financeiro das pessoas, já que a inflação está menos volátil. Em contraste, Alan Cibils, economista independente e ex-professor, pondera que a queda da inflação somente é um sucesso se for sustentável ao longo do tempo, o que, em sua análise, não deve ocorrer.

O Forasteiro na Política e a Instabilidade dos Mercados

Javier Milei destaca-se no cenário político argentino como um líder atípico, um autêntico “outsider”. Antes de sua eleição para a presidência, sua experiência política resumia-se a um mandato de dois anos como deputado no Congresso. “Estar tão afastado, de certa forma, o protege”, observa o professor Martin Rapetti, mencionando a “falta de sinais de empatia na vida pública” como uma característica que o diferencia dos políticos tradicionais. No dia 7 de setembro, o partido de Milei experimentou um revés político imprevisto nas eleições provinciais de Buenos Aires, um resultado que desencadeou um pânico nos mercados financeiros: investidores estrangeiros prontamente reagiram, vendendo pesos e títulos da dívida pública argentina.

Até aquele momento, os mercados financeiros haviam, em sua maioria, apoiado fervorosamente o programa econômico implementado por Milei. Contudo, a aproximação das eleições de meio de mandato, aliada aos compromissos de pagamento de dívidas previstos para o próximo ano, lançou um véu de incerteza. A intervenção e o socorro financeiro articulados por Donald Trump trouxeram alguma estabilidade momentânea, visto que, após o anúncio, os títulos argentinos e o peso demonstraram um aumento de valor. Não obstante, conforme analisa D’Alessandro, apesar de a ajuda estadunidense poder solucionar uma questão macroeconômica mais ampla, ela “nada muda na vida real das pessoas”. A economista lamenta: “Vamos continuar sem investimento em hospitais, educação, programas sociais. Esse dinheiro dos EUA não vai melhorar a infraestrutura da Argentina”, ressaltando a desconexão entre os indicadores financeiros e o cotidiano da população.

Modelo para Outras Nações ou Miragem?

Para alguns dos partidários de Milei, como Boggiano, a vasta gama de críticas direcionadas ao presidente da Argentina reflete uma tentativa da oposição de “desfazer” suas realizações, almejando o retorno ao poder. “Quando todos começarem a acreditar que a estabilidade veio para ficar, os investidores voltarão”, assegura Boggiano, que se manifesta confiante: “Acho que Milei se tornará um modelo para outros países”. Todavia, outros analistas permanecem céticos quanto a essa perspectiva. “Há uma certa estabilidade que ajuda as coisas a não explodirem”, pondera Cibils, mas ele complementa, “Eu acho que a estabilidade é também uma miragem”. Milei tem conseguido controlar a inflação em grande parte através do uso das reservas cambiais do país, empregando-as para sustentar o peso e prevenir um colapso completo da moeda. Como consequência dessa estratégia, a Argentina enfrenta o vencimento de US$ 20 bilhões em dívidas para o próximo ano.

Um ex-economista do Banco Central, que preferiu manter o anonimato, emite um alerta sério: a abordagem de Milei para conter a inflação pode ruir caso a Argentina falhe em cumprir seus compromissos de dívida. “Se no fim das contas tivermos uma crise financeira que desfaça parcialmente todo o esforço, então será um fracasso. Se isso terminar em agitação social, qualquer progresso será revertido”, ponderou o especialista. Enquanto isso, Axel Kicillof, o governador de esquerda de Buenos Aires, tem sido frequentemente mencionado como um provável candidato presidencial para as eleições de 2027. Kicillof é um proponente fervoroso do estado de bem-estar social, e a mera possibilidade de sua ascensão ao poder faz com que alguns investidores calculem o risco de um retorno a tempos de gastos públicos elevados e expansivos.

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A avaliação do “sucesso” da administração de Milei, em última instância, depende significativamente da métrica e do ponto de vista adotados. Muitos trabalhadores testemunham o fechamento de fábricas, contas disparando e uma progressiva desintegração da rede de proteção social. Em contrapartida, investidores vislumbram uma história de êxito na disciplina fiscal, no controle da inflação, no alinhamento com Washington e, em termos mais simples, uma “normalização” econômica. No entanto, mesmo que líderes internacionais observem o experimento argentino com fascínio, a dinâmica política pode ser o principal motivo pelo qual poucos países decidirão imitá-lo. Se a população comum perder a confiança nas medidas adotadas pelo governo, o mercado também poderá questionar a sustentabilidade de seu programa, ameaçando anular até mesmo os sucessos macroeconômicos. “Ele não tem expertise política, e eu acho que é necessário”, pondera Rapetti. Apesar disso, o economista enfatiza que ainda é prematuro tirar conclusões definitivas: “Nós estamos na metade do mandato… a história ainda não acabou.”

Para mais análises aprofundadas sobre os desenvolvimentos políticos e econômicos que moldam o cenário sul-americano, convidamos você a explorar outras matérias em nossa editoria de Política. Acompanhe a Horadecomecar.com.br e mantenha-se informado sobre os eventos que impactam o continente.

Crédito, Joe Raedle/Getty Images


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