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O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, reconhecido por suas décadas de atuação no combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC), revelou estar sob uma sentença de morte imposta pela facção criminosa, qual ele classifica como um “decreto sem volta”. A ameaça ganhou contornos mais sombrios após o recente assassinato do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes, em Praia Grande (SP), na última segunda-feira, 15 de setembro, em um evento que Gakiya sugere que o PCC possa ter tido participação, apesar das investigações ainda estarem em curso.
Ferraz Fontes, uma figura notória nas investigações do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) sobre o PCC desde o início dos anos 2000, e responsável pela detenção de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da facção, compartilhava com Gakiya o risco iminente de retaliação. Ambos foram fundamentais na operação de transferência de cúpulas do PCC para presídios federais no começo de 2019, uma ação que intensificou a ira dos criminosos.
Promotor Gakiya vive sob decreto de morte do PCC
Gakiya afirmou à BBC News Brasil, em 17 de setembro, que “o doutor Ruy tinha ciência” das ordens de execução da facção, havendo inclusive repassado informações sobre tentativas contra a vida do delegado vindas de penitenciárias que já abrigaram lideranças do PCC. Apesar de Fontes ter dito à jornalista Aline Ribeiro, da CBN, que nunca fora ameaçado, Gakiya esclareceu que se tratam de “ordens para matar”, citando uma ocasião em 2010 onde agentes conseguiram interceptar criminosos a caminho de uma delegacia para assassinar o delegado.
O promotor, que desfruta de uma escolta policial robusta, comparável à segurança da Presidência da República, enfatizou que o risco perdurou, inclusive para ele. “Ano passado eu havia comunicado a ele que as ordens ainda estavam de pé. O PCC ainda estaria cobrando a morte de algumas autoridades, a minha também”, revelou Gakiya, mencionando a falta de direito à escolta de Fontes após sua aposentadoria.
Diante do cenário, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), considerou a possibilidade de proteção automática a autoridades aposentadas que atuaram contra o crime organizado, uma discussão intensificada após o crime contra Fontes. Gakiya reforçou sua própria segurança após o incidente, vendo-o como um indício da iminência de um ataque.
Duas Décadas de Combate e Crescimento do PCC
Há duas décadas, Lincoln Gakiya se dedica à investigação do PCC. Mesmo após esforços como o isolamento das lideranças em presídios federais em 2018/2019, a facção continuou a se expandir. Gakiya relembra que, nos primeiros anos após os ataques de 2006, havia escassas informações sobre a estrutura interna do PCC, suas fontes de arrecadação e os líderes setoriais. Seu trabalho inicial focou em mapear o funcionamento da organização, descobrindo o tráfico de drogas como principal motor, mas também identificando outras fontes como rifas e mensalidades. A intenção era conter a expansão ou direcionar as investigações. O Ministério Público de São Paulo tem atuado em diversas frentes para fortalecer o combate ao crime organizado no estado, buscando novas estratégias para desmantelar as organizações criminosas.
Apesar de centenas de prisões e apreensões ao longo de suas investigações, que começaram em 2005, o promotor observou que o isolamento no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) dentro do mesmo presídio não era suficiente, pois líderes continuavam a operar. A necessidade de um “isolamento geográfico” tornou-se clara para quebrar a cadeia de comando. Gakiya solicitou a remoção de 21 líderes, incluindo Marcola, para o sistema penitenciário federal em novembro de 2018, um pedido que foi atendido em fevereiro de 2019. Essa ação foi um marco em sua carreira, mas também intensificou significativamente as ameaças contra ele.
Em 2019, um plano para assassinar Gakiya foi interceptado em cartas criptografadas, revelando a urgência da facção em retribuir a atitude do promotor. Este foi o momento mais desafiador, segundo ele, levando-o a restringir sua vida social para minimizar riscos e manter a escolta policial.
A Nova Era do PCC: Finanças e Corrupção
Apesar de todo o esforço, Gakiya admite uma sensação de frustração ao ver o PCC crescer e se tornar uma máfia cada vez mais complexa. Ele enfatiza que é um agente solitário diante de uma guerra contra uma estrutura vasta, que ele prevê uma médio prazo um “racha” interno na atual geração de líderes, incluindo Marcola, mas ressalta que a organização já está preparada para funcionar sem suas lideranças por dominar a logística. Comparando a estrutura do PCC à de uma grande corporação, ele ilustra que a prisão de executivos não para a operação diária, mas sim as grandes decisões estratégicas, como negociações com outras facções. Contudo, a capacidade do PCC de “batizar” novos membros sem depender de cúpula favorece seu alastramento.
Desde 2020, o foco das investigações de Gakiya se deslocou para a asfixia financeira do PCC. A Operação Sharks (2020) revelou um fluxo de US$ 1,2 bilhão do PCC para o Paraguai, via doleiros, muitos utilizando fintechs para triangulação e lavagem de dinheiro, antes de usar casas de câmbio no país vizinho. Este montante era referente apenas à arrecadação do tráfico interno. Em 2010, o faturamento era de R$ 12 milhões, demonstrando um crescimento exponencial.
Desdobramentos como a Operação Fim de Linha (2024) evidenciaram a infiltração da facção no transporte metropolitano, culminando na intervenção da Prefeitura de São Paulo em licitações de ônibus. A Operação Hydra (fevereiro de 2025) e, mais recentemente, a Operação Carbono Oculto (2025) confirmaram a utilização massiva de fintechs e fundos de investimento para lavagem e ocultação de recursos, utilizando camadas financeiras que dificultam o rastreamento.

Imagem: bbc.com
Gakiya critica falhas na fiscalização por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central, que, ao abrirem o mercado para as fintechs para democratizar o crédito, criaram um flanco para que criminosos, bem assessorados, abrissem empresas de pagamento sem a mesma rigidez regulatória ou fiscalização. Somente após a Operação Carbono Oculto houve um avanço para mudar a regulamentação, acelerando processos previstos para 2029.
Ele adverte que os “novos rostos do PCC” são operadores financeiros que se associam à facção por oportunidade de negócio, ostentando vidas luxuosas e sem levantar suspeitas. Gakiya classifica o cenário como uma “hibridização criminal” onde o PCC se une a empresários inescrupulosos, tornando-se mais perigoso ao se infiltrar na economia formal.
Terrorismo, Influência e o Futuro do Combate
Questionado sobre a possibilidade de Donald Trump classificar o PCC como organização terrorista, Gakiya concorda, citando os ataques de 2001 e 2006, e a tentativa de explosão de prédios importantes. Ele argumenta que, embora a legislação brasileira não enquadre o PCC como terrorista por falta de determinados pressupostos, a classificação internacional implica outros tipos de intervenção, mesmo com a posição divergente do governo federal brasileiro. O promotor enfatiza a omissão do Estado de São Paulo por décadas como um fator que proporcionou o crescimento e a expansão internacional do PCC.
Gakiya também aborda o ponto polêmico de que o PCC, em certa medida, impõe “paz” nas ruas e no sistema prisional. Ele remete a 2006, quando um “acordo informal” do Estado com o PCC em Presidente Bernardes evidenciou uma fragilidade. No sistema prisional, o PCC realmente “colocou ordem no caos”, diminuindo brigas, estupros e assassinatos internos, autorregulando as unidades. Essa dominação se estendeu às comunidades, criando um “poder e regulação paralela” onde a polícia não é acionada e disputas internas por pontos de venda de drogas se extinguem pela hegemonia da facção. A violência existe, mas não é comunicada, o que confere a São Paulo um “outro patamar de criminalidade” se comparado ao Rio de Janeiro, com infiltração nos poderes e corrupção.
Sobre a esfera política, o promotor revela que o PCC tem financiado campanhas municipais para vereadores e prefeitos, buscando acesso a obras e licitações em setores como transporte, educação e saúde. Ele alerta que, com o fim do financiamento privado de campanha, essa modalidade de financiamento pelo crime organizado tende a aumentar, não apenas com o PCC, mas com outras “máfias” como a dos combustíveis.
Os resultados das operações, para Gakiya, não se limitam às ações penais, mas também à capacidade de “mudar a governança do setor” e forçar órgãos decisórios a aprimorar regulamentações e fiscalizações. Ele destaca a reação da Febraban à denúncia do perigo das fintechs, levando à aceleração da mudança de parâmetros e regulamentação pela Secretaria da Fazenda.
As complexidades da atuação do Promotor Lincoln Gakiya frente ao PCC são um lembrete contundente dos desafios enfrentados pelo sistema de justiça brasileiro no combate ao crime organizado. Para aprofundar a compreensão sobre como essas estruturas criminosas impactam o cenário político e econômico, explore nossa categoria de Análises e mantenha-se informado sobre as tendências e impactos das investigações no Brasil.
Crédito, Dan Agostini/Getty Images
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