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Em uma onda crescente de insatisfação social, os protestos da Geração Z na Ásia têm se tornado um poderoso catalisador de mudança, utilizando intensivamente as redes sociais para mobilizar milhares contra a corrupção e a desigualdade. Este fenômeno, embora demonstre a capacidade sem precedentes das plataformas digitais para organizar movimentos, também expõe os limites na transformação em reformas políticas duradouras, conforme observou a BBC News Brasil. As mobilizações recentes no Nepal, Indonésia e Filipinas são exemplares dessa dinâmica, com jovens expressando seu descontentamento contra um sistema que percebem como falho.
O epicentro dessa nova era de ativismo, segundo a reportagem da BBC News Brasil, pode ser rastreado a eventos pontuais que reverberam online, transformando indignações individuais em clamores coletivos. Um caso marcante foi a irritação de Aditya, um ativista nepalês de 23 anos, desencadeada em maio após o casamento suntuoso da filha de um político local. Informações, que circularam intensamente nas redes sociais, sobre um congestionamento provocado em Bhaktapur, incluindo o bloqueio de uma rodovia crucial para convidados VIP – entre eles, o primeiro-ministro do Nepal –, acenderam o estopim da revolta, mesmo que as alegações de mau uso de recursos públicos não tenham sido oficialmente confirmadas pelo político envolvido.
Protestos Geração Z Ásia: Corrupção, Redes Sociais e Limites
A indignação de Aditya não parou por aí. Meses após o incidente do casamento, as plataformas digitais inundaram-se com imagens de filhos de políticos – apelidados de “nepo babies” ou “nepo kids” – exibindo luxos como férias exóticas, mansões, veículos de alta gama e bolsas de grife. Uma fotografia de Saugat Thapa, filho de um ministro de província, ganhou viralidade por mostrar uma imponente pilha de caixas de presente de marcas de luxo como Louis Vuitton, Gucci, Cartier e Christian Louboutin, adornadas com decorações natalinas.
Estimulados por essas postagens e o crescente sentimento de injustiça, Aditya e seus amigos juntaram-se a milhares de jovens nas ruas da capital nepalesa, Katmandu, no dia 8 de setembro. Os protestos anticorrupção escalaram, levando a confrontos com a polícia, que resultaram em fatalidades. No dia seguinte, a multidão invadiu e incendiou escritórios governamentais, culminando na renúncia do primeiro-ministro KP Sharma Oli e na trágica morte de aproximadamente 70 pessoas, conforme relatos.
O Grito de Mudança Se Espalha pela Ásia
O que aconteceu no Nepal não foi um caso isolado, mas parte de um movimento regional mais amplo, um clamor por mudança que varreu diversos países asiáticos nos últimos meses. Manifestações massivas ocorreram na Indonésia e nas Filipinas, onde dezenas de milhares de cidadãos protestaram na capital Manila no dia 21 de setembro. A força motriz comum desses movimentos é a Geração Z – jovens nascidos entre 1995 e 2010 – frustrados com o que consideram uma corrupção sistêmica profundamente enraizada em suas nações.
Enquanto governos na região alertam para o risco de escalada da violência, jovens ativistas como Aditya acreditam firmemente que esta é apenas a fase inicial de uma nova era de engajamento social com genuíno poder transformador. Aditya revelou ter encontrado inspiração nos protestos da Indonésia, na revolução estudantil de Bangladesh no ano anterior e no movimento Aragalaya, que levou à queda do presidente do Sri Lanka em 2022. Ele defende que a essência desses movimentos reside na busca pelo “bem-estar e desenvolvimento de nossas nações”, afirmando que “não há nada que nós, essa geração de estudantes e jovens, não possamos fazer”.
“Nepo Babies” e Desigualdade Social: Os Alvos da Fúria Juvenil
Grande parte do furor dos protestos foca nos chamados “nepo babies” ou “nepo kids” – indivíduos percebidos como beneficiários diretos da fama e influência de seus pais, muitas vezes figuras do *establishment*. Para a massa de manifestantes, esses “filhos da influência” simbolizam a corrupção sistêmica. Embora alguns, como Saugat Thapa, tenham refutado as acusações, outros optaram pelo silêncio. Por trás dessas críticas reside um profundo descontentamento com a desigualdade social e a escassez de oportunidades. Países como a Indonésia e o Nepal enfrentam persistentes problemas de pobreza e baixa mobilidade social, com diversos estudos evidenciando que a corrupção deteriora o crescimento econômico e amplia a disparidade de classes. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, por exemplo, destaca a corrupção como um entrave sério ao desenvolvimento indonésio.
Desde o início do ano, a Indonésia tem sido palco de protestos contra cortes orçamentários e preocupações com as perspectivas econômicas em face da estagnação salarial. Em agosto, uma série de manifestações explodiu em reação aos benefícios habitacionais concedidos a parlamentares, impulsionando hashtags como #IndonesiaGelap (Indonésia Sombria) e #KaburAjaDulu (Fuja Primeiro), que instigam os cidadãos a buscar melhores condições em outros locais. Zikri Afdinel Siregar, um estudante universitário de 22 anos do norte de Sumatra, Indonésia, participou de uma dessas manifestações no início do mês, revoltado com o auxílio-moradia de 60 milhões de rúpias (equivalente a cerca de R$ 19.100) pago a parlamentares locais – um valor aproximadamente 20 vezes superior à renda média da população. Os pais de Zikri, produtores de borracha e trabalhadores rurais em Riau, ganham cerca de 4 milhões de rúpias por mês (R$ 1.275), enquanto ele próprio complementa a renda como taxista de moto para custear seus estudos. “Ainda há muitas pessoas que têm dificuldade até para comprar itens básicos, especialmente comida, que continua cara hoje em dia. Mas, por outro lado, os governantes estão ficando cada vez mais ricos, e os benefícios deles só aumentam”, desabafa Zikri.
Similarmente no Nepal, um dos países mais pobres da Ásia, os jovens demonstram uma desilusão com o sistema que consideram injusto. Dois anos antes, um empreendedor chocou o país ao tirar a própria vida em frente ao Parlamento, culpando a ausência de oportunidades em seu bilhete suicida.
O Papel Revolucionário da Tecnologia e da Inteligência Artificial
Dias antes dos protestos no Nepal, o governo tentou restringir a mobilização, anunciando a proibição da maioria das plataformas de redes sociais sob a justificativa de combater discursos de ódio e fake news. Muitos jovens nepaleses, incluindo Aditya, interpretaram essa medida como uma tentativa de silenciá-los. Em resposta, Aditya e quatro amigos reuniram-se em uma biblioteca em Katmandu, utilizando celulares, computadores e ferramentas de inteligência artificial (como ChatGPT, Grok, DeepSeek e Veed) para produzir 50 vídeos destinados às redes sociais, abordando temas como os “nepo babies” e a corrupção.
Nos dias seguintes, eles divulgaram esses vídeos, principalmente no TikTok, que ainda não havia sido banido, usando múltiplas contas e Redes Privadas Virtuais (VPNs) para evitar detecção. Intitulados “Gen Z Rebels” (Rebeldes da Geração Z), seu primeiro vídeo, ambientado com a canção “The Winner Takes It All” do Abba, era um clipe de 25 segundos do casamento que havia revoltado Aditya semanas antes, finalizando com um apelo à ação: “Eu vou me juntar. Eu lutarei contra a corrupção e o elitismo político. E você?”. Outros grupos no Nepal e em outras partes do mundo também criaram e compartilharam clipes via Discord. A plataforma de bate-papo para gamers tornou-se um fórum para milhares de manifestantes nepaleses, onde discutem os próximos passos e sugerem lideranças interinas. Nas Filipinas, mais de 30 mil pessoas contribuíram para uma discussão no Reddit, apelidada de “lifestyle check”, postando detalhes sobre figuras ricas e influentes.

Imagem: bbc.com
A utilização da tecnologia em movimentos de massa por jovens não é novidade; mensagens de texto impulsionaram a segunda Revolução de Poder Popular nas Filipinas nos anos 2000, e a Primavera Árabe e o movimento Ocupe Wall Street, na década de 2010, fizeram amplo uso do Twitter. Contudo, a sofisticação tecnológica atual, com ampla adoção de smartphones, redes sociais, aplicativos de mensagens e inteligência artificial, facilita a mobilização. “É com isso que [a Geração Z] cresceu, é assim que ela se comunica. A forma como essa geração se organiza é uma manifestação natural disso”, analisa Steven Feldstein, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace.
Solidariedade Política Regional e Seus Dilemas
A tecnologia também fomenta um senso de solidariedade transnacional entre os manifestantes. Um logotipo de caveira no estilo de desenho animado, popularizado por ativistas indonésios, foi prontamente adotado por manifestantes filipinos e nepaleses, aparecendo em bandeiras, vídeos e perfis sociais. A hashtag #SEAblings – um trocadilho entre “siblings” (irmãos em inglês) e as siglas em inglês para Sudeste Asiático (SEA) – viralizou, sinalizando o apoio mútuo entre as nações em seus movimentos anticorrupção.
Historicamente, a Ásia já testemunhou ondas de solidariedade política regional, desde os levantes em Mianmar e Filipinas no final dos anos 1980 até a Aliança do Chá com Leite, surgida em 2019 com as manifestações em Hong Kong, conforme Jeff Wasserstrom, historiador da Universidade da Califórnia em Irvine. No entanto, ele ressalta uma distinção atual: as imagens dos protestos “circulam mais longe e mais rápido do que antes, gerando uma saturação muito maior de imagens do que está acontecendo em outros lugares.” A tecnologia intensifica as emoções. “Quando você vê no celular as mansões, o carro de luxo, isso só faz com que [a corrupção] pareça mais real”, pontua Ash Presto, socióloga filipina da Universidade Nacional Australiana, destacando o impacto especial sobre os filipinos, que são um dos usuários mais assíduos de redes sociais no mundo.
As Consequências e o Próximo Capítulo: Mortes, Destruição e o Que Virá?
Estes protestos não são sem graves consequências no mundo real. Houve incêndios em edifícios, saques e destruição de propriedades, e políticos foram arrancados de suas residências e agredidos. Os danos materiais, incluindo edifícios e comércios, somam centenas de milhões de dólares. No Nepal, mais de 70 vidas foram perdidas, e na Indonésia, os confrontos resultaram na morte de 10 pessoas.
Os governos condenam a violência. O presidente indonésio, Prabowo Subianto, criticou o que descreveu como comportamento “tendendo à traição e ao terrorismo e à destruição de instalações públicas, saques em residências.” Nas Filipinas, o presidente Ferdinand Marcos reconheceu a legitimidade da preocupação com a corrupção, mas apelou por protestos pacíficos, enquanto a ministra Claire Castro alertou sobre a possível instrumentalização da indignação popular por indivíduos com “más intenções para desestabilizar o governo”. Os manifestantes, por outro lado, atribuem a violência a “infiltrados” e, no Nepal, muitos alegam que o alto número de mortos decorre da repressão excessiva da polícia – um ponto que o governo prometeu investigar.
Ainda assim, alguns governos reconheceram as preocupações e cederam a certas demandas. Na Indonésia, foram revogados incentivos financeiros controversos para parlamentares, como auxílio-moradia e viagens internacionais. Nas Filipinas, uma comissão independente foi criada para investigar o alegado desvio de verbas destinadas à prevenção de enchentes.
A questão premente agora é: o que sucede à fúria? Especialistas observam que poucos protestos impulsionados digitalmente se traduziram em mudanças sociais estruturais profundas, particularmente em contextos onde problemas como a corrupção estão profundamente enraizados. Isso, em parte, se deve à natureza frequentemente sem lideranças claras desses movimentos, o que, embora proteja os manifestantes da repressão, dificulta a tomada de decisões estratégicas de longo prazo. “As redes sociais não foram feitas para promover mudanças de longo prazo… você depende de algoritmos, indignação e hashtags para manter o movimento vivo,” observa Feldstein. “A mudança exige que as pessoas encontrem uma forma de sair de um movimento online disperso para um grupo com visão de longo prazo, com laços tanto físicos quanto digitais. É preciso que surjam estratégias políticas viáveis, não apenas seguir com uma abordagem de ‘tudo ou nada, vamos queimar tudo’.”
Conflitos anteriores evidenciaram essa dificuldade. Em 2006, jovens nepaleses, os millennials, participaram de uma revolução que depôs a monarquia, sucedendo uma insurgência maoísta e uma década de guerra civil. No entanto, o país então viveu um ciclo de 17 governos, e sua economia estagnou. Narayan Adhikari, cofundador do Accountability Lab (um grupo anticorrupção), argumenta que a geração anterior de manifestantes nepaleses “acabou se tornando parte do sistema e perdeu seu fundamento moral. Eles não seguiram os valores democráticos e voltaram atrás em seus próprios compromissos.” Aditya, no entanto, mantém-se firme na promessa de que desta vez será diferente. “Estamos constantemente aprendendo com os erros de gerações anteriores,” afirma, convicto. “Eles idolatravam seus líderes como se fossem Deus. Agora, nesta geração, não seguimos ninguém como se fosse Deus.”
A efervescência da Geração Z na Ásia ilustra um novo panorama de engajamento social, impulsionado pela conectividade digital e uma forte indignação contra a corrupção. As redes sociais se estabelecem como ferramentas indispensáveis de mobilização, mas os desafios de converter essa fúria digital em reformas políticas duradouras persistem. Para uma análise mais aprofundada sobre a influência desses movimentos sociais, explore mais artigos em nossa categoria de Política e mantenha-se informado sobre os desdobramentos que moldam o cenário global.
Crédito: Getty Images
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