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A recente onda de apoio internacional ao reconhecimento do Estado Palestino, formalizada por nações influentes como o Reino Unido, instiga um questionamento primordial sobre o futuro e a viabilidade da governança desta entidade. Embora aproximadamente 150 dos 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), incluindo o Brasil, já ofereçam seu reconhecimento, a ausência de fronteiras estabelecidas, uma capital definida e um exército soberano tornam este gesto majoritariamente simbólico.
Em meados de setembro de 2025, ocorreu um avanço notável quando Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal — nações com fortes relações históricas com Israel — anunciaram formalmente o reconhecimento do Estado da Palestina. A França aderiu à medida na segunda-feira, 22 de setembro. Essa série de eventos seguiu o alerta do diplomata palestino Husam Zomlot em um debate na Chatham House, em Londres, que classificou a iniciativa como um “momento significativo” e potencialmente a “última tentativa real de implementar a solução de dois Estados”.
Reconhecimento Estado Palestino: O Desafio de Sua Governança
A oficialização pelo Reino Unido, por exemplo, foi transmitida em um vídeo divulgado pelo primeiro-ministro britânico Keir Starmer em suas redes sociais no domingo, 21 de setembro. Starmer enfatizou a urgência de preservar “a possibilidade de paz e de uma solução de dois Estados”, com o intuito de garantir “um Israel seguro e protegido, ao lado de um Estado palestino viável”. Ele admitiu que, atualmente, “não temos nenhum dos dois”. Em resposta direta, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, no mesmo dia, rejeitou categoricamente a formação de um Estado palestino.
As Lacunas da Soberania Palestina
Para ser reconhecida como um Estado, a Convenção de Montevidéu de 1933 estabelece quatro critérios fundamentais: população permanente, território definido, governo e capacidade de entrar em relações com outros Estados. O povo palestino pode pleitear a existência de uma população permanente, ainda que impactada pelos conflitos em Gaza, e sua capacidade diplomática é visível através de figuras como Husam Zomlot. Contudo, os requisitos de “território definido” e um “governo funcional” permanecem como barreiras significativas.
Sem um acordo final sobre as fronteiras e um processo de paz estagnado, definir geograficamente o que constitui a Palestina é um desafio. Tradicionalmente, os palestinos anseiam por um Estado que englobe Jerusalém Oriental, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza – territórios sob ocupação israelense desde a Guerra dos Seis Dias em 1967. No entanto, a Cisjordânia e Gaza estão separadas por Israel desde 1948, há 77 anos.
Na Cisjordânia, a Autoridade Palestina (AP), estabelecida após os Acordos de Oslo nos anos 1990, possui controle sobre apenas cerca de 40% do território. A proliferação de assentamentos israelenses desde 1967 resultou em uma severa fragmentação, minando a coesão política e econômica da região. Jerusalém Oriental, que os palestinos consideram sua capital, foi isolada progressivamente por assentamentos. A situação em Gaza é ainda mais precária, com grande parte da área devastada após quase dois anos de conflito, que se intensificou em outubro de 2023. Para informações mais detalhadas sobre o Direito Internacional e o reconhecimento de Estados, é possível consultar os recursos da Organização das Nações Unidas.
A Complexidade da Liderança Palestina
O quarto e último critério para o reconhecimento pleno de um Estado – a presença de um governo funcional – representa um dos maiores obstáculos internos para os palestinos. Desde 2007, após um violento confronto entre o Hamas e o Fatah, a principal facção da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a governança palestina está dividida. O Hamas administra Gaza, enquanto a Autoridade Palestina, reconhecida internacionalmente e presidida por Mahmoud Abbas, atua na Cisjordânia. Esta separação geográfica de 77 anos somada a 18 anos de divisão política acentuou as disparidades entre as duas regiões.
A polarização política interna levou à descrença de grande parte da população palestina na capacidade de suas lideranças em promover reconciliação e avanços em direção à formação de um Estado. As últimas eleições presidenciais e parlamentares foram realizadas em 2006, significando que nenhum palestino com menos de 36 anos pôde exercer seu direito de voto. Segundo a advogada Diana Buttu, esta lacuna democrática é “simplesmente incompreensível”, evidenciando a necessidade de uma “nova liderança”. O conflito em Gaza, iniciado em outubro de 2023, exacerbou a situação, relegando a AP, sediada na Cisjordânia, a um papel secundário e impotente frente à tragédia humanitária.
Historicamente, tensões marcaram a liderança palestina. Após o retorno de Yasser Arafat do exílio para presidir a AP, políticos locais sentiram-se marginalizados pelo estilo autoritário dos líderes “de fora”. Rumores de corrupção em torno de Arafat corroeram ainda mais a imagem da Autoridade Palestina. Além disso, a AP mostrou-se ineficaz em conter a expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, falhando na promessa de independência e soberania simbolizada pelo histórico aperto de mãos entre Arafat e Yitzhak Rabin, em 1993, na Casa Branca. Os anos subsequentes foram marcados por negociações infrutíferas, continuidade da expansão de assentamentos, episódios de violência extrema de ambos os lados e a virada política à direita de Israel, culminando na cisão de 2007 entre Hamas e Fatah.
O historiador palestino Yezid Sayigh observa que a fragmentação territorial dos palestinos em “pequenos espaços separados” tem inviabilizado o surgimento e a união de novas lideranças. “Em condições normais, novas figuras, novas gerações teriam surgido”, afirma Sayigh, “Mas isso foi impossível.”
Marwan Barghouti: Uma Figura Contestada na Liderança
Apesar dos desafios, uma figura se destaca: Marwan Barghouti. Nascido e criado na Cisjordânia, ele ingressou no Fatah aos 15 anos. Barghouti alcançou proeminência como um líder popular durante a Segunda Intifada palestina (2000-2005) antes de ser preso e acusado de planejar ataques que resultaram na morte de cinco israelenses, acusações que ele sempre negou. Preso em Israel desde 2002, seu nome é consistentemente mencionado como um potencial futuro líder palestino, mesmo após mais de duas décadas de encarceramento.

Imagem: bbc.com
Uma pesquisa de opinião recente do Palestinian Centre for Policy and Survey Research, na Cisjordânia, indicou que 50% dos palestinos escolheriam Barghouti como presidente, colocando-o significativamente à frente de Mahmoud Abbas, no cargo desde 2005. Embora afiliado ao Fatah, o histórico rival do Hamas, há indicações de que seu nome esteja na lista de prisioneiros políticos cuja libertação o grupo islâmico negocia em troca de reféns israelenses em Gaza. Contudo, Israel não demonstrou interesse em libertá-lo. Em meados de agosto de 2025, um vídeo veio a público mostrando Barghouti, então com 66 anos, visivelmente debilitado e sendo hostilizado pelo ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, marcando sua primeira aparição pública em muitos anos.
O Bloqueio de Israel e as Tensões Internacionais
Mesmo antes da intensificação do conflito em Gaza, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu já manifestava sua oposição inequívoca à formação de um Estado palestino. Em fevereiro de 2024, ele declarou abertamente: “Todos sabem que eu sou quem, durante décadas, bloqueou o estabelecimento de um Estado palestino que colocaria nossa existência em risco.” Contrariando a pressão internacional para que a Autoridade Palestina retome o controle de Gaza, Netanyahu insiste que a AP não terá papel no futuro do governo do território, citando a falta de condenação dos ataques do Hamas em 7 de outubro por parte de Mahmoud Abbas.
Em agosto, Israel concedeu aprovação final para um projeto de assentamento que prevê a construção de 3.400 moradias, visando a separação de Jerusalém Oriental da Cisjordânia. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, afirmou que tal plano “enterraria a ideia de um Estado palestino”. O historiador Yezid Sayigh argumenta que, diante de tais condições de trabalho, qualquer sucesso da liderança palestina torna-se “totalmente impossível”.
É amplamente aceito que, se um Estado palestino for de fato estabelecido, não será governado pelo Hamas. Uma “Declaração de Nova York”, elaborada em julho e endossada por países árabes e 142 membros da Assembleia Geral da ONU, comprometeu-se a forçar o Hamas a “encerrar seu governo em Gaza e entregar suas armas à Autoridade Palestina”. Por sua vez, o Hamas manifestou disposição de transferir a governança de Gaza para uma administração independente, formada por tecnocratas.
Os Estados Unidos também desempenham um papel crucial. Em agosto de 2025, de maneira atípica, revogaram ou negaram vistos a dezenas de autoridades palestinas. O ex-presidente Donald Trump expressou sua insatisfação com a discussão sobre o Estado palestino e mantém uma versão de seu “Plano Riviera”, que propõe que os EUA assumam “uma posição de propriedade de longo prazo” sobre Gaza, sem mencionar a Autoridade Palestina ou um vínculo futuro entre Gaza e Cisjordânia. Os EUA, ademais, possuem poder de veto na ONU sobre qualquer reconhecimento de um Estado palestino.
Para Além do Simbolismo: Próximos Passos Cruciais
Com a falta de coesão na liderança palestina – Marwan Barghouti preso, Abbas envelhecido e o Hamas fragilizado – surge a dúvida sobre a real efetividade do reconhecimento internacional. A advogada Diana Buttu considera que o simbolismo pode ser “muito valioso”, mas um funcionário britânico, sob anonimato, ressaltou a importância de ir além: “A questão é se conseguiremos progredir em direção a algo que faça com que a Assembleia Geral da ONU não se torne apenas uma festa de reconhecimento.”
A “Declaração de Nova York” convoca seus signatários a adotar “medidas concretas, com prazos definidos e irreversíveis, para a solução pacífica da questão da Palestina”, incluindo a unificação de Gaza e Cisjordânia, apoio à AP e um plano árabe de reconstrução para Gaza. No entanto, os desafios são imensos, com Israel ameaçando retaliações, como a anexação de partes da Cisjordânia. Enquanto as nações ponderam sobre como moldar a futura Palestina, a advogada Diana Buttu destaca uma urgência maior: deter as mortes, em vez de se focar unicamente na questão do Estado. O destino de Gaza e sua liderança futura ainda pairam em incerteza.
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Crédito: Getty Images
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