STF inicia julgamento de oito indivíduos acusados de envolvimento em suposta tentativa de golpe de Estado após eleições de 2022

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O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início nesta terça-feira, 2 de setembro de 2025, ao processo de julgamento de oito pessoas classificadas como membros do “núcleo 1” ou “núcleo crucial” de uma alegada tentativa de golpe de Estado sucedida às eleições de 2022. As acusações foram formalizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Em fevereiro de 2023, a PGR havia apresentado uma denúncia que alcançava 34 indivíduos, entre os quais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi derrotado na disputa presidencial de 2022 pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Grande parte dos elementos de prova que fundamentaram a denúncia foi angariada por meio de investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF). O grupo de denunciados foi segmentado em cinco diferentes núcleos, organizados de acordo com os papéis que cada integrante supostamente desempenhou na trama. O núcleo principal, o “núcleo 1”, englobaria aqueles apontados como os maiores articuladores e detentores do poder de decisão na referida tentativa golpista.

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A alegada conspiração teria tido seu início com uma campanha destinada a desacreditar o sistema eletrônico de votação e culminou nos eventos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram alvo de ataques. Em março de 2023, o STF acatou a denúncia elaborada pela PGR contra os membros deste núcleo, resultando na instauração oficial do processo contra eles.

O rol de réus do “núcleo crucial” inclui Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. Esta situação marca a primeira vez na história do Brasil que um ex-mandatário e oficiais de alta patente das Forças Armadas, incluindo generais e um almirante, respondem criminalmente por envolvimento em uma alegada tentativa de ruptura democrática.

A ação penal que tramita contra estes indivíduos é de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O julgamento será conduzido pela Primeira Turma do STF, colegiado do qual o próprio ministro Moraes faz parte.

Detalhes das Acusações e Defesas dos Réus

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está sob prisão domiciliar desde o início de agosto de 2025, uma medida imposta pelo ministro Alexandre de Moraes após a avaliação de que o ex-presidente não cumpriu as condições cautelares previamente estabelecidas em julho. A Procuradoria-Geral da República acusa Bolsonaro de liderar uma organização criminosa que, segundo a PGR, teria arquitetado a tentativa de golpe. Conforme a denúncia, um dos episódios iniciais da suposta trama golpista foi uma reunião realizada em 5 de julho de 2022, na qual Bolsonaro teria incentivado seus ministros a difundir ataques ao sistema eleitoral. Comandantes das Forças Armadas também estavam presentes nesse encontro. A acusação da PGR ainda aponta que, meses depois, o então presidente teve ciência do chamado plano “Punhal Verde Amarelo”, que, de acordo com os investigadores, visava o assassinato de personalidades políticas como o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes. Adicionalmente, Bolsonaro é acusado de ter tido conhecimento e editado a versão final de um decreto que fundamentaria o golpe de Estado. Embora Bolsonaro não tenha participado diretamente dos atos de 8 de janeiro de 2023, estando no exterior na data, o procurador-geral Paulo Gonet sustenta que o “resultado trágico” dos eventos não pode ser desvinculado das “omissões dolosas” dos indivíduos denunciados. Em depoimento prestado ao STF em junho de 2025, o ex-presidente afirmou ter discutido “possibilidades” para reverter o resultado eleitoral, mas essas alternativas teriam sido descartadas por não se alinharem com a Constituição Federal. A defesa de Bolsonaro, em suas alegações finais, declarou a inexistência de provas que estabeleçam ligação entre o ex-presidente e planos para atentar contra autoridades ou com os eventos de 8 de janeiro.

Com exceção de Alexandre Ramagem, todos os réus integrantes deste núcleo enfrentam acusações de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano contra o patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.

Alexandre Ramagem

Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal pelo PL-RJ, exerceu a função de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro. Em 2024, foi candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. Sua trajetória profissional antes da política inclui a de delegado da Polícia Federal. Aproximou-se de Bolsonaro após ser encarregado de chefiar a equipe de segurança do político depois do ataque à faca durante a campanha eleitoral de 2018. A Procuradoria-Geral da República aponta que Ramagem teria utilizado a estrutura da Abin em prol dos planos golpistas, liderando uma “Abin paralela” que, supostamente, monitorava adversários e críticos do governo Bolsonaro, além de produzir desinformação e ataques digitais. Acrescenta-se que Ramagem teria fornecido a Jair Bolsonaro material para embasar a contestação das urnas eletrônicas e a proposição de uma intervenção militar. Contudo, ele não responde mais pelas acusações de dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, relacionadas aos ataques de 8 de janeiro, em razão da suspensão determinada pela Primeira Turma do STF, com base em sua imunidade parlamentar. A defesa do deputado solicita sua absolvição, argumentando que Ramagem não pode ser responsabilizado por cada ato realizado no âmbito da Abin sob sua direção, salvo se por comprovação de culpa.

Almir Garnier

Almir Garnier, almirante de esquadra e ex-comandante da Marinha na gestão Bolsonaro, é apontado pela acusação da PGR como o único líder militar a demonstrar adesão ao plano golpista. Evidências consistiriam em mensagens trocadas entre os réus, confirmando tal aliança. A delação premiada de Mauro Cid reforçaria essa versão. Adicionalmente, depoimentos prestados à Polícia Federal pelos então comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, indicam que Bolsonaro, em dezembro de 2022, teria apresentado aos três a minuta de um decreto com o objetivo de reverter o resultado eleitoral. Segundo esses depoimentos, Freire Gomes e Baptista Junior teriam se oposto a qualquer iniciativa dessa natureza, enquanto Garnier teria oferecido suas tropas para o alegado plano. No entanto, em maio de 2025, uma controvérsia surgiu durante o depoimento de Freire Gomes ao STF, no qual ele declarou não ter percebido “conluio” entre Garnier e Bolsonaro no momento da apresentação da minuta, gerando um questionamento direto do ministro Alexandre de Moraes sobre a discrepância com seu depoimento anterior à PF. Freire Gomes, então, defendeu que Garnier demonstrou alinhamento ao presidente no sentido de respeito hierárquico, sem interpretar uma intenção de golpe. A defesa de Garnier busca a absolvição, argumentando sobre as inconsistências nos depoimentos de Baptista Junior e Freire Gomes, além de apontar falhas na delação de Mauro Cid. Os advogados negam que Garnier tenha posto suas tropas à disposição de Bolsonaro, atribuindo essa alegação apenas ao depoimento de Baptista Junior. Eles também citam que, em novembro de 2022, os três comandantes emitiram uma nota conjunta defendendo o direito dos manifestantes bolsonaristas acampados em frente a quartéis, ao mesmo tempo em que afirmaram o respeito ao “Estado Democrático de direito”.

Anderson Torres

Anderson Torres exerceu o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro e foi secretário de Segurança do Distrito Federal, inclusive durante os ataques ocorridos em 8 de janeiro de 2023. Naquela ocasião, o então secretário estava em viagem aos Estados Unidos, sendo que sua defesa alega que a viagem já estava programada e não tinha relação com os eventos. Ao retornar ao Brasil, Torres foi detido preventivamente por suspeita de omissões intencionais que teriam facilitado os atos de vandalismo em Brasília, sendo solto após quase quatro meses. A Polícia Federal encontrou em sua residência uma minuta de documento que sugeria a decretação de um estado de Defesa com vistas a uma intervenção após a derrota de Bolsonaro nas urnas. A denúncia da PGR ainda salienta a participação de Torres em uma transmissão ao vivo de 2021, ao lado de Bolsonaro, na qual a confiabilidade do sistema eleitoral foi posta em questão, além de supostamente ter participado de encontros cruciais para o planejamento de uma tentativa de golpe. Os advogados de Torres, em suas alegações finais, minimizaram a importância da minuta encontrada, alegando que ela carecia de sustentação jurídica e que sua presença isolada, sem quaisquer atos subsequentes de divulgação ou articulação, não seria suficiente para configurar a intenção de praticar um ato criminoso. A defesa do ex-ministro pleiteia sua absolvição.

STF inicia julgamento de oito indivíduos acusados de envolvimento em suposta tentativa de golpe de Estado após eleições de 2022 - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Augusto Heleno

Augusto Heleno, general do Exército na reserva, é um dos três generais julgados como parte do “núcleo crucial” da alegada conspiração golpista. Atuou como ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante a administração Bolsonaro. A denúncia da PGR afirma que Heleno e Alexandre Ramagem teriam prestado “auxílio direto” a Jair Bolsonaro nas ações de contestação às urnas eletrônicas e no desenvolvimento do planejamento do golpe. Em uma gravação de reunião de julho de 2022, obtida pelos investigadores, Heleno é ouvido discutindo o emprego da Abin para “acompanhar o que os dois lados estão fazendo” na campanha eleitoral. O general é interrompido por Bolsonaro ao mencionar a preocupação com vazamentos, sendo orientado a não prosseguir publicamente com suas observações. Contudo, Heleno persistiu, enfatizando a necessidade de ações pré-eleitorais: “Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições.” A Polícia Federal também localizou, na residência de Heleno, um caderno com anotações referentes a “Reu [reunião] Diretrizes Estratégicas”, que incluíam pontos como “Estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações. É válido continuar a criticar a urna eletrônica.” Documentos com alegações de vulnerabilidades nas urnas eletrônicas foram igualmente encontrados. Segundo a acusação da PGR, Heleno estaria encarregado de liderar um gabinete de gestão de crise após a concretização do golpe. Os advogados de Augusto Heleno pleiteiam a absolvição de todos os crimes imputados, sustentando que as evidências apresentadas no processo não comprovaram a culpa ou o “protagonismo” de Heleno na suposta trama, classificando as anotações encontradas como meramente um “apanhado de ideias” cuja interpretação pela PGR seria exagerada.

Mauro Cid

Mauro Cesar Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, possui uma posição de destaque neste processo ao atuar como delator, após negociar uma colaboração com as autoridades visando uma condenação reduzida. Em depoimento prestado ao STF em junho de 2025, Cid confirmou que o ex-presidente discutiu e revisou minutas de documentos com o propósito de decretar um estado de sítio, visando impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, o militar declarou não ter tido conhecimento de envolvimento de Bolsonaro nos preparativos dos ataques de 8 de janeiro. No dia de seu depoimento, Cid e Bolsonaro se cumprimentaram no STF. A credibilidade da delação de Cid tem sido questionada por defesas de outros réus, que alegam mudanças no conteúdo da colaboração ao longo do tempo, e advogados de Bolsonaro, entre outros, solicitaram a anulação da delação nas alegações finais. Reportagem da revista Veja também indicou que Cid teria violado termos do acordo de delação ao supostamente usar contas do Instagram de sua esposa para discutir a colaboração com terceiros, uma alegação que sua defesa nega e solicitou investigação. A denúncia da PGR apresenta diversas mensagens do celular de Cid, onde ele se comunica com outros acusados, buscando pessoas e materiais para levantar dúvidas sobre a lisura da eleição de 2022. Além disso, Cid teria estado presente no Palácio da Alvorada quando Bolsonaro, supostamente, recebeu o documento “Punhal Verde Amarelo”. Mauro Cesar Cid é filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, um ex-colega de farda de Bolsonaro. Em 2024, pai e filho foram indiciados pela PF, junto com Jair Bolsonaro, em outro caso que investiga a venda de joias recebidas pelo ex-presidente. Também em 2024, Cid e Bolsonaro foram indiciados pela PF por suposta fraude no registro de vacinação contra a covid-19, caso pelo qual Cid chegou a ser preso preventivamente em maio de 2023, mas cujo inquérito foi arquivado pelo STF a pedido da PGR por falta de provas. Em março de 2024, o militar foi novamente detido, desta vez por obstrução de Justiça e descumprimento de medidas cautelares, após vazamento de áudios (publicados pela revista Veja) onde ele alegava pressão da PF na delação. Cid foi interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes e obteve o direito de permanecer em liberdade após se retratar.

Paulo Sérgio Nogueira

Paulo Sérgio Nogueira, general da reserva, atuou como ministro da Defesa no último ano do governo Bolsonaro. Segundo uma gravação obtida pela Polícia Federal no computador de Mauro Cid, referente a uma reunião de julho de 2022, Nogueira teria fomentado “a ideia da intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral”, o que, conforme a denúncia da PGR, denota uma linguagem de quem se considerava “em guerra contra o sistema democraticamente estabelecido”. Uma das falas atribuídas ao general e transcritas na denúncia é: “O que eu sinto nesse momento é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja… na guerra a gente linha de contato, linha de partida. Eu vou romper aqui e iniciar minha operação. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato (…)”. Após as eleições, Nogueira teria assinado uma nota oficial do Ministério da Defesa que, ao se basear em um relatório de técnicos militares que acompanharam o processo eleitoral, não descartava a possibilidade de fraude no processo, afirmando que “embora [o relatório] não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022.” O ex-ministro também é apontado como presente em reuniões nas quais Bolsonaro teria apresentado uma minuta de golpe aos comandantes das Forças Armadas, tendo intermediado a convocação e participado ativamente da elaboração do documento. A defesa do general solicita sua absolvição, questiona as provas apresentadas e sustenta que Nogueira, ao contrário do alegado, trabalhou contra a ideia de golpe.

Walter Braga Netto

O general da reserva Walter Braga Netto, que ocupou os ministérios da Casa Civil e da Defesa no governo Bolsonaro e foi seu candidato a vice-presidente em 2022, está preso preventivamente no Rio de Janeiro desde dezembro de 2024, por determinação do ministro Alexandre de Moraes. A PGR acusa Braga Netto de participação em reuniões e na produção de documentos que levantavam suspeitas sobre o sistema eleitoral brasileiro, além de ter alegadamente envolvimento ativo em planos para reverter a vitória de Lula e assegurar a permanência de Bolsonaro no poder por meio de um golpe. Em novembro de 2022, teria ocorrido, na residência de Braga Netto em Brasília, uma reunião onde os “kids pretos”, militares de forças especiais, teriam debatido o “plano Copa 2022” para “neutralizar” o ministro Alexandre de Moraes. O ex-ministro de Bolsonaro também é apontado como detentor de um papel relevante no planejamento financeiro do golpe. A delação de Mauro Cid indica que o general teria a responsabilidade de manter contato com os manifestantes bolsonaristas acampados em frente a quartéis, um movimento que precedeu os eventos de 8 de janeiro de 2023. Ainda segundo a denúncia da PGR, Braga Netto teria pressionado o militar Ailton Gonçalves Barros a dirigir ataques aos então comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Júnior, ambos resistentes à adesão a um golpe. A PGR declara que “Os diálogos não deixam dúvida sobre o papel relevante de Braga Netto na coordenação das ações de pressão aos comandantes, apoiado por Ailton Gonçalves Moraes Barros, que incitava militares e difundia os ataques virtuais idealizados pelo grupo”. Braga Netto também teria sido nomeado como coordenador-geral de um gabinete de gestão de crise caso o golpe se concretizasse. A prisão preventiva de Braga Netto em dezembro de 2024 foi solicitada pela Polícia Federal sob alegação de que o general estaria tentando interferir nas investigações ao tentar obter informações sigilosas da delação de Mauro Cid. Os advogados de Braga Netto consideram a prisão preventiva “injusta”, “desnecessária” e “ilegal”, destacando que Mauro Cid já havia negado ter sofrido pressões. A defesa pede a absolvição de todos os crimes, citando distorção dos fatos, ausência de provas e questionando a confiabilidade da delação de Mauro Cid. Além disso, os advogados pleiteiam a anulação da delação e da própria ação penal, argumentando, entre outros motivos, a suspeição do ministro Alexandre de Moraes e a ausência de imparcialidade por parte dele como relator.

As decisões e as acusações detalhadas neste processo configuram um marco histórico no judiciário brasileiro, colocando figuras de destaque da política e do setor militar diante de alegações de graves crimes contra as instituições democráticas do país, cujos desdobramentos seguem em análise pelo Supremo Tribunal Federal.

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O julgamento promete esmiuçar cada acusação e cada defesa apresentada, com potencial de definir importantes precedentes sobre responsabilidade de autoridades em momentos de tensão política.

Com informações de BBC News Brasil


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