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Os Tardígrados, minúsculos animais aquáticos conhecidos como “ursos d’água” ou “leitões do musgo”, têm despertado grande interesse científico devido à sua capacidade incomparável de sobrevivência em condições ambientais extremas. Embora mal visíveis a olho nu, medindo até um milímetro de comprimento, estas criaturas microscópicas podem resistir a situações que seriam fatais para a maioria das formas de vida, incluindo o vácuo espacial, a exposição a radiação massiva e temperaturas drasticamente baixas ou elevadas.
Apesar de sua aparência bizarra sob um microscópio, com corpos roliços e garras distintas, os tardígrados são considerados um dos seres mais resilientes do planeta. Pesquisadores de diversas instituições ao redor do mundo estão atualmente explorando esses mecanismos de resiliência. O objetivo é compreender como essas habilidades extraordinárias poderiam ser adaptadas e aplicadas para solucionar desafios humanos prementes, abrangendo desde a proteção de pacientes contra os efeitos da radioterapia até a conservação de substâncias médicas e o avanço da exploração espacial de longa duração.
Tardígrados: Desvendando Superpoderes Para Benefício Humano
A ciência já catalogou aproximadamente 1.500 espécies de tardígrados, classificando-os como parentes dos artrópodes, grupo que inclui insetos e crustáceos. Contudo, sua posição exata na árvore filogenética ainda é objeto de debate. Embora preferencialmente habituem-se a ambientes úmidos, ricos em musgo e líquen, podendo ser encontrados até mesmo em jardins caseiros, sua notoriedade provém da aptidão para persistir em locais reconhecidamente inóspitos, tais como as alturas do Himalaia, as profundezas oceânicas, a vasta Antártida e até em fontes termais altamente ácidas (uma descoberta ainda sob reexame).
Sobrevivência em Ambientes Extremos e o Espaço Sideral
A incrível capacidade de resiliência dos tardígrados não se restringe aos ambientes terrestres mais severos. Em 2007, estes invertebrados marcaram a história ao se tornarem os primeiros animais confirmados a sobreviverem diretamente ao ambiente do espaço sideral. Retornando à Terra após sua jornada em um satélite, muitos espécimes foram encontrados vivos. Algumas fêmeas surpreendentemente até procriaram, pondo ovos no espaço que resultaram em jovens indivíduos saudáveis.
Em 2019, tardígrados fizeram parte da missão israelense Beresheet, com a intenção de pousar na Lua. Contudo, a sonda enfrentou uma colisão durante o pouso. Ainda persiste a dúvida se os diminutos passageiros lograram sobreviver a esse impacto lunar. Este evento sublinha o contínuo empenho científico em testar e compreender os limites da vida destas fascinantes criaturas.
Mecanismos de Defesa Contra Condições Drásticas
Para desvendar os “superpoderes” dos tardígrados, os pesquisadores os submeteram a uma série de testes rigorosos. Os resultados demonstram que esses animais podem suportar níveis de radiação mil vezes superiores à dose letal para humanos, temperaturas elevadas de até 150°C e o frio extremo de apenas 0,01°C acima do zero absoluto. Experimentos de 2021 até os expuseram a projéteis disparados, comprovando sua capacidade de sobreviver a velocidades que superam as de balas comuns (900 metros por segundo ou 3 mil quilômetros por hora).
Como tais criaturas aparentemente frágeis persistem sob condições tão adversas? O segredo reside em uma combinação de estratégias complexas de sobrevivência, sendo a “animação suspensa” uma das mais estudadas. Quando expostos à desidratação severa (dissecação), os tardígrados encolhem, retraindo suas cabeças e oito patas para um estado metabólico drasticamente reduzido (apenas 0,01% da velocidade normal), que pode se estender por décadas. Nesse estado dormente, suas células são protegidas, preservando a estrutura tridimensional essencial para a vida.
O Papel Crucial das Proteínas na Sobrevivência
Pesquisas recentes têm revelado as bases moleculares da extraordinária resistência dos tardígrados. Em 2017, o professor de Biologia Molecular Thomas Boothby, da Universidade de Wyoming, e sua equipe identificaram as “proteínas intrinsecamente desordenadas específicas de tardígrados” (TDPs). A ativação desses genes se mostrou vital para a sobrevivência à desidratação; quando inseridas em outros organismos, como leveduras e bactérias, as TDPs multiplicaram em 100 vezes a capacidade de sobreviver à seca.
Um estudo de 2022 conduzido pelo professor Takekazu Kunieda, da Universidade de Tóquio, aprofundou essa compreensão, identificando uma classe de TDPs, as proteínas termossolúveis abundantes no citoplasma (CAHS). Estas proteínas comportam-se como um gel, que amortece e mantém o conteúdo celular no lugar à medida que o organismo se desidrata. Esse gel semissólido forma uma “rede” interna, protegendo as proteínas mais sensíveis contra a agregação e a perda de função, um mecanismo superior ao usado por alguns outros animais que utilizam açúcares como a trealose para formar uma estrutura vítrea protetora.
No que concerne à resistência à radiação, os cientistas descobriram outra proteína notável: a Dsup (proteína supressora de danos). Em 2016, Kunieda e sua equipe revelaram que a Dsup atua como um “cobertor”, envolvendo e blindando o DNA contra os efeitos deletérios da radiação ionizante. A pesquisa mostrou que, quando células humanas foram geneticamente modificadas para produzir Dsup, o rompimento do DNA induzido por raios X foi evitado. A Dsup oferece proteção ao criar um escudo físico, além das enzimas que já desintoxicam espécies reativas de oxigênio (EROs) causadas pela radiação. Em 2020, o Centro de Genômica e Biotecnologia Vegetal em Madri demonstrou que a flexibilidade da Dsup permite-lhe ajustar-se e embalar o DNA, garantindo sua integridade.

Imagem: bbc.com
Ainda em 2024, uma equipe francesa descobriu a proteína TDR1, que também se liga ao DNA, ampliando a compreensão dos mecanismos de defesa. Ademais, os tardígrados exibem notável capacidade de reparar o próprio DNA, uma ferramenta extra para mitigar os impactos da radiação. É importante ressaltar que a Dsup pode ser encontrada naturalmente em diversos organismos terrestres, desempenhando um papel fundamental na proteção de DNA, conforme revelam pesquisas recentes na área da biotecnologia. Este aprimoramento no conhecimento abre portas para futuras aplicações na biotecnologia.
Implicações e Potenciais Aplicações Para a Saúde Humana e Exploração Espacial
As características excepcionais dos tardígrados inspiraram pesquisadores a explorar suas aplicações em benefício dos seres humanos. Uma das áreas mais promissoras é a proteção contra os danos da radioterapia, um tratamento oncológico que, apesar de eficaz contra células cancerosas, frequentemente prejudica tecidos saudáveis. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), do Hospital da Mulher e Brigham em Boston e da Universidade de Iowa injetaram RNA mensageiro codificador da proteína Dsup em camundongos. Esses animais começaram a produzir Dsup, e as doses de radiação equivalentes às de pacientes oncológicos destruíram as células tumorais enquanto os tecidos saudáveis adjacentes sobreviveram. No entanto, é fundamental que novos estudos avaliem a resposta imunológica de mamíferos a essas proteínas antes de sua aplicação em humanos.
Outra frente de pesquisa promissora envolve o uso das TDPs para a conservação de materiais biológicos sensíveis, como vacinas, que demandam armazenamento refrigerado por longos períodos. O professor Boothby descobriu que a mistura de Fator VIII, uma proteína vital para o tratamento da hemofilia (que geralmente exige refrigeração), com TDPs de tardígrados permite que a substância permaneça estável em temperatura ambiente. Tal avanço seria um divisor de águas em regiões mais carentes ou em cenários de desastres.
A NASA também manifestou interesse na biologia dos tardígrados, buscando como sua resiliência pode otimizar a preservação de alimentos e medicamentos para as exigências das missões espaciais prolongadas, combatendo a desidratação e a exposição à radiação no espaço. Essas inovações podem ser valiosas para os humanos, tanto na Terra quanto em futuras empreitadas cósmicas, expandindo a capacidade de resistência e a exploração em condições outrora consideradas impossíveis.
Desvendando os Últimos Mistérios
Embora muito já se tenha descoberto sobre a capacidade dos tardígrados de enfrentar condições extremas, o motivo pelo qual desenvolveram tais mecanismos ainda suscita questionamentos. Conforme explicado pela professora Nadja Møbjerg, da Universidade de Copenhague, sua pele permeável exige um filme de água para a atividade metabólica. Essa vulnerabilidade inerente à perda de água pode ter sido um fator chave para a evolução de sua extrema tolerância à dessecação. Há a teoria, mencionada por Boothby, de que seu tamanho diminuto permitiria que as correntes de vento os dispersassem por todo o planeta, depositando-os em ambientes hostis e exigindo a evolução de adaptações amplas.
Entretanto, por que precisariam resistir a um calor que “os cozinharia”, a temperaturas próximas ao zero absoluto (inexistentes na Terra) ou a níveis de radiação do espaço? O porquê de suas adaptações serem tão excessivas para o contexto terrestre permanece um mistério intrigante. Decifrar as nuances dessas notáveis habilidades biológicas, independentemente de sua origem, continua a ser uma prioridade. Tais descobertas prometem aprimorar a saúde humana, aperfeiçoar o armazenamento de insumos vitais e até salvaguardar a própria vida dos tardígrados, especialmente diante dos crescentes desafios impostos pelas mudanças climáticas globais.
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Crédito, Steve Gschmeissner/Science Photo Library
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