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A tensão na guerra comercial entre China e Estados Unidos ganha um novo capítulo com a recente medida de Pequim sobre as **terras raras**. Na semana passada, o Ministério do Comércio chinês publicou o “Anúncio nº 62 de 2025”, um comunicado que, apesar do título burocrático, teve o poder de abalar a frágil trégua tarifária entre as duas maiores economias mundiais. Ao impor amplas restrições às exportações desses 17 elementos químicos vitais, o governo chinês reitera seu controle sobre o fornecimento global de minerais essenciais, utilizando-os como uma alavanca estratégica nas negociações comerciais e demonstrando o impacto do país sobre a base industrial global.
As terras raras, um grupo de elementos químicos que inclui neodímio, lantânio, ítrio e cério, são componentes cruciais para a fabricação de uma vasta gama de produtos tecnológicos e equipamentos de alta precisão. Desde smartphones e painéis solares até carros elétricos e equipamentos militares avançados, a dependência desses minerais é generalizada. Um exemplo notório é o caça F-35, que demanda mais de 400 quilos de terras raras em seus revestimentos furtivos, motores, radares e outros sistemas. O “Anúncio nº 62 de 2025” exige que empresas estrangeiras busquem autorização governamental para exportar produtos com mesmo pequenas quantidades desses elementos e declarem o uso pretendido.
Terras Raras: China Impõe Restrições e Pressiona EUA em Comércio
A China detém um quase monopólio tanto na extração quanto no refino das terras raras, o complexo processo de separação desses elementos de outros minerais. Essa supremacia no processamento e no fornecimento coloca o país em uma posição de vantagem inegável. De acordo com Natasha Jha Bhaskar, da consultoria Newland Global Group, as exportações chinesas desses materiais respondem por cerca de 70% do fornecimento mundial dos metais empregados em ímãs de motores de veículos elétricos, o que sublinha a extensão de sua influência nas cadeias de suprimentos globais.
A resposta americana não tardou. O presidente Donald Trump reagiu às medidas chinesas com a ameaça de tarifas adicionais de 100% sobre produtos chineses e a imposição de controles de exportação sobre softwares estratégicos. Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, expressou forte desaprovação, afirmando que a China estaria “apontando uma bazuca” para as cadeias de suprimentos do “mundo livre”. Por sua vez, Pequim alegou, em 16 de outubro, que os EUA estariam “provocando deliberadamente desentendimentos e pânico desnecessário” sobre os controles, reforçando que licenças para uso civil seriam aprovadas, desde que em conformidade. Além disso, EUA e China aplicaram novas taxas portuárias recíprocas sobre navios uma da outra nesta semana, evidenciando uma escalada da guerra comercial após um período de relativa calmaria.
A intensificação do atrito comercial reverte a trégua acordada em maio. Com a expectativa de que o presidente Trump e o líder chinês, Xi Jinping, se encontrem ainda neste mês para discussões, especialistas veem as restrições às terras raras como uma manobra estratégica. Naoise McDonagh, professor de negócios internacionais da Universidade Edith Cowan, Austrália, sugere que as novas medidas chinesas “abalarão o sistema”, mirando vulnerabilidades nas cadeias de suprimento americanas e “frustrando o cronograma de negociações” dos EUA.
O desafio da dependência de terras raras transcende as relações comerciais bilaterais. A extração e o processamento desses minerais são notórios pela complexidade e pelos riscos. Embora muitas terras raras sejam abundantes na natureza, sua ocorrência em forma pura é rara e sua separação de elementos radioativos, como tório e urânio, demanda o uso de produtos químicos tóxicos, elevando custos e preocupações ambientais. Marina Zhang, da Universidade de Tecnologia de Sydney, Austrália, destaca que a China investiu intensamente para consolidar sua liderança global, formando uma robusta base de especialistas e desenvolvendo uma rede de pesquisa e desenvolvimento que se encontra anos à frente dos concorrentes. Enquanto outros países, incluindo os EUA e seus aliados, buscam reduzir essa dependência, o caminho é longo. A Austrália, por exemplo, apesar de possuir grandes reservas, tem uma infraestrutura de produção subdesenvolvida, encarecendo o processamento local. Zhang estima que mesmo com um esforço coordenado, seriam necessários no mínimo cinco anos para alcançar a China neste setor.
O Brasil emerge como um ator com potencial relevante nesse cenário. Conforme o relatório U.S. Mineral Commodity Summaries de 2024, estima-se que o país sul-americano possua até 23% das reservas conhecidas de terras raras globais. O professor Sidney Ribeiro, do Instituto de Química da Unesp, informou que o Brasil acumula décadas de pesquisa acadêmica sobre esses minerais, realizando mineração em estados como Minas Gerais e Goiás. Contudo, a produção nacional representa menos de 1% do total mundial, em grande parte devido à localização de vastas reservas inexploradas em áreas ambientalmente sensíveis como a Amazônia, o que impõe o desafio de balancear o potencial mineral com a conservação florestal. Essas terras raras também devem fazer parte das discussões tarifárias entre Brasil e EUA. Para mais detalhes sobre as reservas e o panorama global desses minerais estratégicos, é possível consultar os dados e análises do U.S. Geological Survey.

Imagem: bbc.com
Embora as exportações de terras raras representem uma parcela mínima – estimada em menos de 0,1% – dos US$ 18,7 trilhões do Produto Interno Bruto (PIB) anual da China, seu valor estratégico é “enorme”, segundo a professora Sophia Kalantzakos da Universidade de Nova York. A diminuição das exportações chinesas em mais de 30% em setembro, em comparação com o ano anterior, apesar de impactar mercados específicos, dificilmente abalará a economia chinesa como um todo. A verdadeira força desses minerais reside no poder de negociação que conferem a Pequim.
Apesar da retórica dura, há indícios de abertura para o diálogo. Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, expressou otimismo, afirmando que acredita que a China esteja aberta a discussões para “reduzir as tensões”. Em um encontro com o presidente do grupo americano de private equity Blackstone, Stephen Schwarzman, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, reiterou a necessidade de “manter comunicação efetiva, resolver adequadamente as divergências e promover um desenvolvimento estável, saudável e sustentável” das relações sino-americanas. Kalantzakos interpreta as recentes medidas chinesas como uma estratégia de “organizar suas peças antes das negociações comerciais”, enquanto Bhaskar reforça que a China encontrou seu “melhor instrumento imediato” para pressionar Washington em busca de um acordo mais favorável.
Ainda que a China detenha as cartas no curto prazo, os EUA possuem opções estratégicas, segundo Jiao Yang, da Universidade de Administração de Singapura. A redução de tarifas, por exemplo, poderia beneficiar a China, cujos fabricantes foram severamente impactados pela guerra comercial, resultando em uma queda de 27% nas exportações do país para os EUA no ano anterior. Washington também pode considerar impor novas restrições para frear o avanço tecnológico chinês, como as medidas que miraram a dependência chinesa de semicondutores avançados, bloqueando a compra de chips sofisticados da Nvidia, conforme pontuado por McDonagh. No entanto, esses esforços podem ter efeitos limitados, apenas desacelerando, mas não “paralisando completamente” o país asiático. A China tem demonstrado disposição para enfrentar dificuldades para atingir objetivos de longo prazo, ao passo que uma interrupção chinesa no fornecimento de terras raras tem o potencial de parar a indústria de “todos os outros”, um impacto que o bloqueio americano à China não consegue replicar.
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A escalada nas ações sobre terras raras ressalta a importância desses minerais para o cenário geopolítico e econômico global, bem como a estratégia da China em utilizá-los como instrumento de pressão em sua relação comercial com os EUA. Essa disputa demonstra como elementos看似 pequenos na cadeia de suprimentos podem se tornar cruciais em jogos de poder. Continue acompanhando a cobertura detalhada sobre as relações internacionais e a economia global em nossa editoria.
Crédito: Reuters
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