Unesp cria teste rápido de R$ 10 para detectar metanol em bebidas

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Unesp cria teste rápido de R$ 10 para detectar metanol em bebidas: uma inovação que surge como um alento em meio aos recentes e alarmantes casos de intoxicação pela substância em São Paulo. O governo paulista confirmou, neste sábado (4/10/2025), o segundo óbito resultante do consumo de bebidas adulteradas com metanol, um composto químico de uso estritamente industrial.

O estado de São Paulo registrou um total de 14 casos confirmados de intoxicação por metanol, uma substância altamente tóxica e inadequada para consumo humano, incluindo as duas mortes mencionadas. As vítimas fatais são homens de 46 e 54 anos, ambos residentes da capital paulista. Além dos casos confirmados, há investigações em andamento sobre 148 ocorrências adicionais, com sete mortes consideradas suspeitas: quatro na cidade de São Paulo, duas em São Bernardo do Campo e uma em Cajuru.

Unesp cria teste rápido de R$ 10 para detectar metanol em bebidas

A Polícia Civil paulista segue investigando se as bebidas foram falsificadas, adulteradas, ou se o metanol foi inadvertidamente empregado no processo de higienização dos produtos. Um dos grandes desafios reside na identificação do metanol, que é incolor e possui o mesmo odor do etanol, tornando impossível para o consumidor comum detectar sua presença em bebidas. Diante dessa realidade, a recomendação mais enfática é a completa abstenção do consumo de destilados provenientes de fontes duvidosas.

Contudo, a notícia traz uma perspectiva promissora. Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), especificamente do Instituto de Química (IQ) em Araraquara, desenvolveram, há três anos, uma técnica inédita que representa uma ferramenta poderosa contra a crescente onda de intoxicações. Criado em 2022, o método da Unesp possibilita identificar, de maneira simples, econômica e ágil, se amostras de combustíveis como gasolina e etanol, ou bebidas como cachaça, vodca e uísque, contêm metanol em concentrações acima do limite permitido.

Um método inovador e acessível

A eficácia do teste rápido contrasta marcadamente com a tradicional cromatografia gasosa, cujo custo por análise pode chegar a R$ 500, requerendo laboratório especializado e levando horas para a obtenção de resultados. A técnica da Unesp, por sua vez, oferece um diagnóstico em poucos minutos e dispensa a necessidade de equipamentos sofisticados, tornando-a ideal para aplicação em larga escala e em campo.

O processo se desenvolve em duas fases distintas: inicialmente, adiciona-se um sal à amostra – seja ela um combustível ou uma bebida alcoólica –, desencadeando a transformação do metanol em formol. Posteriormente, um ácido é incorporado à mistura, resultando em visíveis alterações na coloração da solução. O tempo de reação é notavelmente rápido, levando cerca de 15 minutos para etanol e bebidas alcoólicas e aproximadamente 25 minutos para amostras de gasolina.

A detecção é realizada visualmente: ao final do processo, a coloração resultante permite identificar a presença de metanol e sua concentração. Um verde vívido indica a ausência de quantidades significativas da substância; o verde amarronzado sugere concentrações entre 0,1% e 0,4%; o marrom aponta para 0,5% a 0,9%; tonalidades de roxo indicam níveis de 1% a 20%; e um azul-marinho profundo denota de 50% a 100% de metanol.

A visão dos pesquisadores é transformar essa descoberta em kits de baixo custo, com um valor estimado em cerca de R$ 10 por unidade. Larissa Modesto, mestranda do IQ à época e líder do estudo, avalia que a adoção em larga escala é não apenas possível, mas extremamente viável, dependendo, contudo, de investimentos estratégicos para sua comercialização. Ela explica que uma empresa fabricante de kits analíticos precisaria adquirir os direitos de comercialização da patente da Unesp para, então, produzir e distribuir o teste.

“Como para metanol em bebidas o limite é extremamente baixo (20 mg/100mL de bebida), qualquer tonalidade de roxo que se formar já é suficiente para não receber aquele carregamento de bebida”, destaca Larissa Modesto, sublinhando a importância da precisão do método na segurança alimentar e da saúde pública. Regulamentações da ANVISA são cruciais para este setor.

O reconhecimento de especialistas sobre o método da Unesp

Especialistas independentes elogiam a iniciativa, reconhecendo seu potencial decisivo no combate às intoxicações. Márcia Ângela Nori, professora de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e coordenadora da Câmara de Engenharia Química do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), considera que a disponibilidade de um kit para rápida identificação de metanol em combustíveis e bebidas seria uma inovação de grande relevância, desde que seus resultados se mantenham precisos. “Diante da perfeição de falsificação dos rótulos, esta seria mais uma ferramenta de controle na defesa do consumidor”, avalia Nori, ao mesmo tempo em que reitera a necessidade de se priorizar a compra de produtos rastreados, oriundos de empresas com responsáveis técnicos devidamente capacitados no processo de fabricação.

Em outra perspectiva, Fabio Rodrigues, pesquisador do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), enfatiza que, embora o princípio químico do teste seja coerente e apto a fornecer a resposta esperada sobre a presença de metanol, é imprescindível considerar aspectos como os custos envolvidos, a capacidade de produção em escala e os limites mínimos de detecção. O pesquisador ainda aponta semelhanças com o funcionamento dos bafômetros, que também detectam substâncias com base em reações colorimétricas, ressaltando que “o método parece ser possível de uso e eficiente, mas é preciso entender a viabilidade de produção em grande quantidade.”

Unesp cria teste rápido de R$ 10 para detectar metanol em bebidas - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

O projeto da Unesp já garantiu o registro de duas patentes junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), contando com o valioso apoio da Agência Unesp de Inovação (AUIN). Atualmente, os pesquisadores estão em processo de negociação com entidades dos setores público e privado na busca por parceiros que possam viabilizar a produção e a distribuição em larga escala dos kits de detecção. Larissa Modesto confirma o interesse de empresas privadas e do próprio poder público, porém, destaca que até o momento, nenhuma proposta formal de licenciamento da patente foi apresentada.

Os perigos do metanol e os esforços de combate à intoxicação

O metanol é uma substância reconhecidamente perigosa, cuja ingestão, mesmo em pequenas quantidades, pode ter consequências devastadoras. Em doses elevadas, as consequências incluem cegueira permanente ou, em casos mais graves, levar à morte. A legislação brasileira é rigorosa e estabelece limites para a presença dessa substância: em combustíveis, o limite é de 0,5%; em bebidas destiladas, não pode ultrapassar 20 miligramas por cada 100 mililitros de produto. Isso é evidenciado pelo recente surto de intoxicações em São Paulo.

A absorção do metanol pelo corpo humano é um processo rápido. Uma vez ingerida, a substância pode manifestar seus primeiros sintomas em um intervalo de duas até 48 horas, variando de acordo com a quantidade consumida. No organismo, após a absorção pelo trato digestivo, o metanol segue para o fígado, onde é metabolizado e transformado em metabólitos altamente tóxicos, principalmente o ácido fórmico. Essas substâncias rapidamente se espalham pela corrente sanguínea e atingem o sistema nervoso central, comprometendo, em especial, os neurônios.

Um dos efeitos colaterais mais sérios da metabolização do metanol é a produção excessiva de ácidos pelo corpo, culminando em uma condição conhecida como acidose metabólica – quando o sangue se torna mais ácido do que o normal. Em resposta a essa condição, o organismo tenta compensar, e o indivíduo afetado geralmente começa a apresentar uma respiração rápida e superficial, um esforço para eliminar o excesso de acidez através do ar exalado. A junção desses fatores – a presença de toxinas circulantes, a acidose metabólica, e a sobrecarga que esses elementos impõem a órgãos vitais como coração, pulmões e rins – pode precipitar uma falência múltipla de órgãos. Cada sistema vital perde sua capacidade de funcionamento adequado, sobrecarregando os demais e pondo em risco a manutenção das funções essenciais para a vida.

O tratamento da intoxicação por metanol exige intervenção hospitalar e deve ser rigidamente supervisionado por profissionais de saúde qualificados. Uma das estratégias terapêuticas empregadas é a administração de etanol, seja por via oral ou intravenosa, contanto que na forma farmacêutica e com o grau de pureza adequado para uso médico. O propósito é manter níveis constantes de álcool no sangue, permitindo que o metanol seja gradualmente eliminado pelo corpo, via respiração e urina, antes que se converta em ácido fórmico, que é o principal agente tóxico.

Frequentemente, esse tratamento é complementado por sessões de hemodiálise, um procedimento que filtra o sangue e acelera a remoção do metanol e de seus subprodutos. Essa abordagem combinada auxilia o corpo a se livrar da substância nociva antes que cause danos irreversíveis aos órgãos e tecidos. Embora não esteja amplamente disponível no Brasil até a data do artigo original, outra opção terapêutica promissora é o fomepizol, um medicamento especificamente desenvolvido para combater intoxicações por metanol.

Neste contexto, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que o Ministério da Saúde formalizou a aquisição do antídoto fomepizol. A pasta divulgou o fechamento de um acordo, em parceria com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), para a compra de 2,5 mil unidades do medicamento de um fornecedor japonês. “O ministério já firmou a aquisição e a previsão de chegada desse outro antídoto é para a próxima semana. Teremos aqui no Brasil, além do etanol farmacêutico já garantindo tratamento, teremos também o fomepizol”, afirmou Padilha.

Adicionalmente, o ministro informou que serão adquiridas mais 12 mil unidades de etanol farmacêutico, reforçando os recursos para o tratamento de pessoas intoxicadas no país.

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Em suma, a emergência dos casos de intoxicação por metanol acende um alerta urgente sobre a qualidade e segurança das bebidas comercializadas. A invenção da Unesp oferece uma ferramenta prática e acessível para o controle e a prevenção, complementando os esforços de tratamento e fiscalização. Continuaremos acompanhando as notícias sobre esta importante descoberta e os avanços na saúde pública. Mantenha-se informado em nossa editoria de Análises para mais informações sobre ciência, saúde e sociedade.

Crédito, Isaac Fontana/EPA/Shutterstock


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