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A possível decisão do ex-presidente americano Donald Trump de designar facções criminosas brasileiras, como o **PCC (Primeiro Comando da Capital)** e o Comando Vermelho (CV), como organizações terroristas, emerge como um ponto de grande atenção. Esta medida, levantada por consultorias de risco, adiciona uma camada de complexidade às relações diplomáticas já tensas entre Brasil e Estados Unidos, especialmente após recentes posicionamentos em Washington relacionados à política interna brasileira.
Essa possibilidade foi destacada inicialmente pela consultoria Eurasia Group. Em seus relatórios, a empresa sugeriu que a classificação de grupos como o PCC pode ser uma das estratégias de resposta americanas frente à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Tais análises previam que o governo americano poderia escalar medidas contra o Brasil, o que incluiria, além de sanções econômicas, ações direcionadas a indivíduos e entidades.
Trump Avalia PCC Como Org. Terrorista: Preocupação Brasil
A Eurasia Group mencionou ainda que, antes do encerramento do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo Bolsonaro, a Casa Branca já havia imposto uma tarifa de 50% sobre alguns produtos brasileiros e sancionado o ministro do STF Alexandre de Moraes sob a Lei Global Magnitsky. O próprio Donald Trump já manifestou sua visão sobre o julgamento de Bolsonaro, classificando-o como uma “caça às bruxas” e utilizando essa percepção como justificativa para as sobretaxas sobre importações brasileiras, que entraram em vigor no mês passado, embora com algumas isenções. Na segunda-feira, 15 de setembro, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, indicou a iminência de novos anúncios de medidas contra o Brasil.
No decorrer da semana anterior, em 9 de setembro, durante o período de julgamento de Bolsonaro, a porta-voz da Casa Branca reiterou a possibilidade de os EUA empregarem seu poderio militar e econômico para resguardar a liberdade de expressão em nível global, incluindo o Brasil. A declaração foi oficialmente repudiada pelo governo brasileiro. Entre as outras ações consideradas pela Eurasia, figuravam a suspensão adicional de vistos para membros do governo brasileiro e a extensão da Lei Magnitsky a outros ministros do STF.
Análise da Eurasia Group e Escala de Prioridades dos EUA
Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas do Eurasia Group, em entrevista à BBC News Brasil, afirmou que, embora a classificação do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas não se configure como uma decisão iminente, a probabilidade aumenta nos próximos meses. Ele apontou para a complexidade em identificar grupos que auxiliam essas facções, dado o tamanho, a sofisticação e a penetração delas no setor privado.
Garman observou que a probabilidade dessa medida aumentar consideravelmente se estendido o horizonte para seis a oito meses. A atuação do PCC, tido como a maior facção criminosa do Brasil, recentemente esteve sob os holofotes com a suspeita de envolvimento no assassinato a tiros, em 15 de setembro, do ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, em Praia Grande. Fontes era reconhecido como um dos principais antagonistas do PCC em sua carreira.
Prioridades Americanas: Combate ao Narcotráfico e Precedentes
O debate sobre designar organizações criminosas brasileiras como terroristas não é recente e, embora possa ter ligação com o julgamento de Bolsonaro, não seria uma medida motivada exclusivamente por ele. Segundo o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin, essa pode ser associada tanto a uma sanção ligada ao julgamento quanto a uma ação que se alinharia com as prioridades já existentes dos Estados Unidos, notadamente o endurecimento no combate ao tráfico de drogas.
O governo americano já possui em sua lista de organizações terroristas grupos criminosos latino-americanos, como o Tren de Aragua, da Venezuela, e seis cartéis mexicanos. Garman enfatiza que a administração Trump concentra esforços no combate ao narcotráfico na região, uma pauta com relevância eleitoral interna. Como evidência disso, ele menciona a significativa presença naval americana na costa venezuelana.
Há duas semanas, Trump informou que forças americanas interceptaram e atacaram uma embarcação que transportava drogas ilegais provenientes da Venezuela em águas internacionais, resultando na morte de onze “narcoterroristas”. Em 15 de setembro, outro ataque similar foi reportado. Além disso, foi ordenada a mobilização de dez jatos F-35 para Porto Rico, com o propósito de realizar operações contra “narcoterroristas” na área do Caribe.
Rejeição Brasileira e o Posicionamento de Lula
A ofensiva militar dos Estados Unidos no Mar do Caribe foi publicamente criticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 8 de setembro, durante uma reunião virtual entre líderes do grupo Brics. Lula enfatizou que “o terrorismo não pode ser confundido com os desafios de segurança pública que muitos países enfrentam”, sublinhando que são “fenômenos distintos” que não devem servir como pretexto para intervenções que desconsideram o direito internacional. O presidente brasileiro qualificou a presença de forças armadas da maior potência mundial no Caribe como “fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região”.

Imagem: bbc.com
Ainda em maio, o responsável pelo setor de sanções do Departamento de Estado americano, David Gamble, havia solicitado formalmente ao Brasil que adotasse a designação de grupos como o PCC e CV como organizações terroristas. Em reuniões com representantes do Ministério da Justiça, Gamble argumentou que estas facções mantêm laços com cartéis internacionais e representam uma ameaça à segurança dos Estados Unidos.
Contudo, o governo brasileiro rejeitou o pedido. Na época, o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, justificou à imprensa que facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) não se encaixam na definição de terrorismo estabelecida pela legislação brasileira. A Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) brasileira define terrorismo por atos com o propósito de gerar terror social, colocando em risco a paz ou incolumidade pública, mas exige que tais atos tenham “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Dada essa condição motivacional, e o fato de essas facções visarem primariamente o lucro financeiro por meio de crimes como tráfico de drogas, armas e lavagem de dinheiro – e não motivações políticas ou ideológicas – elas não se enquadram na definição, conforme a interpretação do governo brasileiro. Sarrubbo reafirmou o compromisso do Brasil no combate a essas organizações, independentemente da classificação. Para mais informações sobre este tópico, uma excelente fonte sobre a aplicação da Lei Global Magnitsky é o Departamento do Tesouro dos EUA.
Vitelio Brustolin aponta que a recusa brasileira é fruto de preocupações jurídicas, políticas, de segurança e de soberania, com o governo preferindo abordar a questão com políticas internas e cooperação regional. Segundo o pesquisador, classificar essas facções como terroristas significaria uma ingerência externa no sistema jurídico e de segurança nacional brasileiro, afetando a soberania e podendo gerar críticas internas sobre a aceitação de pressões externas.
Implicações da Classificação de Facções Como Terroristas
Apesar das divergências, os critérios para a designação de um grupo como terrorista divergem entre países, e os Estados Unidos têm a prerrogativa de incluir unilateralmente organizações estrangeiras em suas listas de terrorismo. Caso isso ocorra, o espectro de sanções americanas contra instituições financeiras que porventura negociem com esses grupos aumentaria significativamente.
Brustolin esclarece que o reconhecimento das facções criminosas brasileiras como organizações terroristas facilitaria a imposição de sanções e impulsionaria a cooperação internacional, favorecendo investigações e o congelamento de ativos. Instituições financeiras teriam que impor severas restrições a operações em dólares com entidades e clientes brasileiros considerados de risco, impactando diretamente o comércio e as transações financeiras. Sanções secundárias também poderiam ser aplicadas, penalizando empresas estrangeiras que mantivessem negócios com os alvos designados.
Operações recentes da Polícia Federal têm evidenciado a ampla influência do Primeiro Comando da Capital (PCC) em diversos segmentos do setor privado, que incluem desde os setores de combustíveis e transportes até o agronegócio e o mercado financeiro. Garman, do Eurasia Group, ressalta que a eventual designação como organização terrorista criaria “um passivo jurídico” para integrantes de instituições financeiras e empresas brasileiras que possam, inadvertidamente ou não, ter negócios com empresas de fachada do crime organizado. Ele destaca que, embora o governo brasileiro atue contra o crime organizado, a simples listagem de uma instituição por transacionar com o crime pode gerar sérias implicações reputacionais e abalar o setor privado como um todo.
A complexidade de tal cenário sublinha a necessidade de um entendimento aprofundado sobre os impactos das políticas externas e a soberania nacional. Para se aprofundar sobre o cenário de segurança pública no Brasil, leia mais artigos em nossa editoria de Política e continue acompanhando as análises exclusivas do Hora de Começar sobre estes temas cruciais.
Crédito da imagem: Reuters
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