Voto Fux Bolsonaro: Anulação de Processo é Possível?

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Em um desdobramento que reverberou no cenário jurídico nacional, o Voto Fux Bolsonaro gerou intensos debates no Supremo Tribunal Federal (STF) na última quarta-feira, 10 de setembro de 2025. O ministro Luiz Fux defendeu veementemente a anulação do processo que apura condutas do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros indivíduos, pondo em xeque a capacidade do próprio Supremo para conduzir a ação penal.

A tese central de Fux reside na prerrogativa de foro. Conforme sua argumentação, o ex-presidente Bolsonaro não teria mais o direito de ser julgado diretamente pelo STF, uma vez que não ocupa mais um cargo que confira tal prerrogativa. Para o ministro, a competência para analisar o caso deveria ser da primeira instância da Justiça comum, e não da Suprema Corte.

Detalhando seu ponto de vista sobre a ausência de privilégio de foro, Fux sublinhou: “A prerrogativa de foro deixa de existir quando os cargos foram encerrados antes da ação (penal)”.

Voto Fux Bolsonaro: Anulação de Processo é Possível?

Ainda segundo Fux, como os acusados não exerciam cargos públicos no momento da instauração do processo, o Supremo careceria de competência para prosseguir com o julgamento. Ele concluiu categoricamente: “Estamos diante de uma incompetência absoluta” para julgar a ação, advogando, portanto, pela “anulação do processo por incompetência” do STF.

Contrariando a posição de Fux, a maioria dos ministros da Primeira Turma do STF manifestou-se de forma distinta em debates anteriores. Para esse grupo, a prerrogativa de foro se manteria para Bolsonaro porque os crimes investigados teriam sido supostamente cometidos durante seu período na Presidência, com uma ligação direta com a função exercida. Assim, a competência da Suprema Corte seria mantida.

Fux também fez duras críticas à decisão de encaminhar o processo para a Primeira Turma, ao invés de mantê-lo sob análise do plenário completo do tribunal. O ministro expressou preocupação de que ao restringir a avaliação a um número menor de julgadores, vozes importantes seriam “silenciadas”, comprometendo uma análise mais abrangente dos fatos. Ele ressaltou a importância da integralidade da Corte em matérias de alta relevância: “A Constituição Federal não se refere às Turmas, ela se refere ao plenário, e seria ideal que tudo fosse julgado pelo plenário do STF com a racionalidade funcional”. O ministro enfatizou que, seguindo a lógica de outros casos análogos já decididos em plenário, o julgamento deveria ter o mesmo curso. “Ou o processo deve ir para o plenário ou tem de descer para a primeira instância”, adicionou.

Por outro lado, a maioria dos ministros da Primeira Turma interpretou que, com base em uma resolução do tribunal datada de 2023, apenas presidentes no exercício de seus mandatos deveriam ter seus casos julgados diretamente no plenário. Visto que Bolsonaro não ocupa mais o cargo, o julgamento seria então competência da Turma. Consequentemente, com Alexandre de Moraes, o relator do processo, sendo integrante da Primeira Turma, o caso foi encaminhado a ela.

A Relevância do Voto de Fux e a Análise dos Especialistas

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil indicaram que a postura de Luiz Fux pode, de fato, abrir portas para que a defesa de Bolsonaro pleiteie a anulação do processo. No entanto, tal cenário dependeria de pelo menos mais um ministro acompanhar a visão de Fux. Conforme Pierpaolo Bottini, advogado e professor de direito penal da USP, a posição solitária do ministro não seria suficiente para alterar o desfecho do julgamento. Para que a defesa pudesse acionar o plenário por meio de embargos de divergência – um tipo de recurso que busca a reanálise da questão por um colegiado –, seriam imprescindíveis no mínimo dois votos na mesma direção.

A advogada criminalista Juliana Bertholdi, professora na pós-graduação da PUC do Paraná, reforça a condição adicional de que a defesa deveria apresentar a argumentação de nulidade durante a sustentação oral para que o processo pudesse ser levado ao plenário. “O momento para a defesa se manifestar sobre nulidade seria durante a sustentação oral. Para ter algum caminho, seria necessário que outro ministro acompanhasse o Fux, abrindo possibilidade de embargos infringentes e levando o processo ao plenário”, detalhou. Clara Borges, professora do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da UFPR, também complementa que julgamentos conduzidos exclusivamente por uma turma podem, paradoxalmente, beneficiar a defesa, permitindo o uso de embargos infringentes para que o plenário reavalie o caso, caso haja dois votos favoráveis ao réu.

Prerrogativa de Função ou Foro Privilegiado?

O debate acerca da competência judicial e do que é frequentemente denominado “foro privilegiado” traz à tona a comparação com casos anteriores, como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujos processos relacionados a um apartamento no Guarujá foram iniciados na primeira instância. Segundo Bottini, o regimento interno do Supremo permite que um relator envie um caso ao plenário se considerar que a discussão jurídica é de relevância. No entanto, no caso de Bolsonaro, o relator Alexandre de Moraes entendeu que, apesar da repercussão política, as questões jurídicas já haviam sido previamente abordadas pelo plenário, descartando a necessidade de nova avaliação por todo o colegiado.

Voto Fux Bolsonaro: Anulação de Processo é Possível? - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Juliana Bertholdi observa que a expressão “foro privilegiado” talvez não seja a mais adequada, preferindo “prerrogativa de função”, pois esta não implica necessariamente um benefício. Ela assinala que esta questão pode, na prática, favorecer as defesas, permitindo que os julgamentos progridam rapidamente. A especialista explica as múltiplas interpretações da prerrogativa de foro: ela pode ser atrelada à pessoa ou ao cargo, definindo se perdura após o término do mandato ou se cessa com ele. Há, ainda, uma terceira via de entendimento: mesmo após o indivíduo deixar a função, se o crime foi cometido durante o exercício do cargo, a prerrogativa se manteria, garantindo que o julgamento ocorra na instância devida.

A professora Clara Borges salienta que, para a maioria dos juristas, a competência do STF é “inquestionável” porque, alinhado com a Constituição e o princípio do juiz natural, a competência se estabelece no momento da consumação do crime. Para o julgamento em questão, os atos teriam ocorrido durante o período eleitoral, durante a obstrução da votação. Logo, “mesmo que depois a pessoa deixe o cargo, ela continua a ser julgada pelo STF. Esse tem sido o posicionamento da Corte”. Você pode consultar a Constituição Federal e os artigos que tratam da competência dos tribunais superiores para mais informações, acessando Planalto.gov.br.

O Supremo Tribunal Federal, atualmente, segue o entendimento de que a prerrogativa de foro subsiste mesmo após a saída da autoridade do cargo, contanto que os delitos julgados tenham sido praticados durante o mandato e guardem relação com a função exercida. Essa interpretação foi consolidada para evitar que figuras públicas renunciassem aos seus mandatos meramente para se eximirem do julgamento no Supremo. Bertholdi concorda com esta perspectiva, argumentando que, uma vez que os acusados cometeram os crimes enquanto detinham prerrogativa de foro, a eles caberia responder perante o STF.

Embora reconheça a racionalidade jurídica no raciocínio de Fux, a advogada não o considera o fundamento mais sólido. Ela defende que, se um crime é cometido durante o exercício de um cargo, a prerrogativa de função deve acompanhar o agente. Quanto às perspectivas de a defesa de Bolsonaro conseguir a anulação do processo a partir do voto de Fux, Bertholdi reforça a necessidade do apoio de outro ministro para viabilizar os embargos infringentes e remeter o processo ao plenário. Ela ainda aponta que, embora o voto de Fux não seja uma posição isolada na jurisprudência, o desfecho do caso permanece incerto, citando o voto da ministra Cármen Lúcia na ADI 2797, onde ela interpretou o foro por prerrogativa de função sob a ótica de princípios republicanos e democráticos, restringindo-o ao período de exercício do cargo. Todavia, a posição atual da ministra neste julgamento parece se alinhar mais com a de Alexandre de Moraes, o que torna o panorama ainda indefinido.

Reflexões Futuras Sobre o Julgamento

A posição de Fux e as discussões subsequentes sobre competência e foro privilegiado incitam reflexões acerca de potenciais desenvolvimentos futuros do caso. Juristas notam que, dada a fluidez da jurisprudência brasileira e a composição variável da Suprema Corte, decisões como esta podem, a longo prazo, ser revisitadas ou até anuladas. Maíra Beauchamp Salomi, advogada do escritório Salomi Advocacia Criminal e vice-presidente da Comissão de Estudos de Direito Penal do Instituto dos Advogados de São Paulo, já havia comentado no início de setembro que a jurisprudência brasileira, especialmente a do Supremo, é “muito instável”, permitindo variadas interpretações de mesmos dispositivos legais e constitucionais.

Contudo, Salomi pondera que, por a decisão ser emanada do mais alto colegiado do país, uma revisão substancial no curto prazo é menos provável. Ela destaca que o julgamento de Bolsonaro se dá sob um contexto singular, com “ataques institucionais internos e pressões externas”, incluindo sanções de outros países. “O Supremo mais acertou do que errou. Temos que ter uma visão um pouco sistêmica”, disse a advogada. Ela conclui que a Corte opera em uma posição delicada, equilibrando a necessidade de conduzir o processo de forma adequada para evitar excepcionalidades com a firmeza necessária diante de “ataques de outras ordens”.

A complexidade do Voto Fux Bolsonaro e suas implicações para o futuro jurídico e político do Brasil ressaltam a importância de acompanhar de perto as decisões do Supremo Tribunal Federal. Para análises aprofundadas sobre este e outros temas que moldam o país, explore mais em nossa editoria de Política e mantenha-se informado sobre os desdobramentos.

Crédito, Gustavo Moreno/STF


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