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O acordo judicial entre YouTube e Donald Trump culminou no pagamento de US$ 22 milhões destinados especificamente ao financiamento do projeto de um grandioso salão de festas na Casa Branca, conforme divulgado recentemente. Esta negociação representa a resolução de um litígio complexo envolvendo a suspensão dos canais do ex-presidente e de aliados após eventos críticos, destacando a intricada relação entre gigantes da tecnologia, figuras políticas proeminentes e o panorama legal dos Estados Unidos.
O montante é parte de um acordo maior de US$ 24,5 milhões efetuado pelo YouTube, subsidiária da Alphabet, com Donald Trump e seus aliados. Este acerto, finalizado em setembro, resolveu uma ação coletiva de 2021 em que o ex-presidente e outros usuários alegavam violação de seus direitos de Primeira Emenda por parte da plataforma de vídeo, após a suspensão de seus canais. É importante ressaltar que o YouTube não admitiu culpa no processo.
YouTube Paga US$ 22 Milhões em Acordo para Salão de Trump
A situação ganhou notoriedade dois meses antes da formalização, quando John P. Coale, um dos advogados de Donald Trump, participou de um encontro em Mar-a-Lago com executivos e advogados da Alphabet. O tema central das conversas evitou explicitamente os múltiplos processos antitruste que a Google, também da Alphabet, enfrenta. Segundo Coale, em entrevista, tanto ele quanto os representantes do Google eram unânimes em desassociar a reunião desses casos antitruste, buscando manter as discussões estritamente focadas na ação judicial dos canais do YouTube.
O contexto de Alphabet e Google é marcado por desafios regulatórios significativos. A empresa enfrenta atualmente dois processos antitruste federais nos Estados Unidos. Um deles foi iniciado durante o primeiro mandato de Trump e levado a julgamento sob a administração de Joe Biden; o outro foi aberto e litígado inteiramente pela equipe de Justiça de Biden. Com o retorno de Trump à presidência, a expectativa era de que esses processos fossem abandonados, porém, sua nova administração, com muitos críticos do “Big Tech”, optou por mantê-los. Em contraste, o caso do YouTube era de natureza diferente, configurando-se como uma ação civil de cidadãos privados.
Juristas apontam que as alegações de Trump contra o YouTube careciam de fundamento legal robusto. Mark Lemley, professor de direito em Stanford e especialista em legislação tecnológica, afirmou em comunicação que o YouTube, como empresa privada, não está sujeito à Primeira Emenda, que protege a liberdade de expressão de restrições governamentais. Dessa forma, a plataforma teria a prerrogativa de encerrar contas que violassem seus termos de serviço, como foi o caso do ex-presidente após os eventos de 6 de janeiro. A visão predominante no meio jurídico é que o acordo constituiu um “pagamento político”, e não uma validação legal das reivindicações de Trump.
Os US$ 22 milhões da indenização de Trump foram designados à Trust for the National Mall, uma organização sem fins lucrativos que colabora com o Serviço Nacional de Parques na manutenção da área circundante à Casa Branca. O dinheiro foi especificamente destinado à construção do “White House State Ballroom” (Salão de Baile Estatal da Casa Branca). Anteriormente neste ano, Donald Trump revelou planos ambiciosos de expandir a Casa Branca, demolindo o icônico Rose Garden de Jackie Kennedy para erguer em seu lugar um grandioso salão com capacidade para 900 pessoas, inspirado no design de seu próprio clube de golfe em Turnberry.
A construção do “White House State Ballroom” está estimada em US$ 200 milhões, com o financiamento previsto para vir do próprio Trump e de uma série de doadores privados. Reportagens da CBS News indicaram que várias empresas de tecnologia já se comprometeram a doar US$ 5 milhões ou mais para o projeto. Entre elas, a Google, também parte da holding Alphabet. Se esses dados se confirmarem, a contribuição total da Alphabet para o projeto poderia ultrapassar os US$ 27 milhões, representando mais de 13,5% da meta de arrecadação.
O universo “MAGAworld” frequentemente manifesta ressentimento contra a Alphabet e a Google, em parte pela liderança da empresa historicamente apoiar o Partido Democrata. Fundadores como Sergey Brin e Larry Page tiveram laços estreitos com Barack Obama, e muitos ex-funcionários de sua administração foram posteriormente contratados pela empresa. Além disso, o ex-presidente Eric Schmidt foi um apoiador de Hillary Clinton em 2016 e se tornou um alvo de ataques dos apoiadores de Trump. Essa tensão resultou em inúmeras investigações e audiências conduzidas pelo Partido Republicano, acusando as “Big Tech” de censurar vozes conservadoras nas plataformas de mídia social.
O próprio Trump nutria uma queixa pessoal contra a Google, reclamando desde 2018 que seu algoritmo de busca era manipulado contra ele, resultando apenas em artigos de “mídia de esquerda”. Apesar de o Google negar consistentemente a possibilidade de manipulação política em seu algoritmo de busca, as alegações de Trump persistiram. O YouTube, no entanto, representou um alvo mais direto para uma ação legal, visto que suas decisões de remoção de conteúdo e suspensão de criadores são atribuídas mais explicitamente a humanos. Os criadores de conteúdo conservadores desativados pelo YouTube, particularmente aqueles que promovem a ideologia “MAGA”, constituem uma parcela importante da base de apoio de Trump.
Entre 2020 e 2023, o YouTube implementou ativamente políticas de moderação de conteúdo, removendo vídeos que veiculavam desinformação sobre a pandemia de COVID-19, vacinas e o resultado da eleição presidencial de 2020. Essas ações levaram ao desativamento de contas de influenciadores de direita, incluindo Dan Bongino, a American Conservative Union e a autora Naomi Wolf. Em janeiro de 2021, o YouTube suspendeu o canal do então presidente Trump após ele incitar os participantes dos eventos de 6 de janeiro no Capitólio, justificando a medida por preocupações com o potencial de violência continuada.
Embora o YouTube tenha revisado algumas de suas políticas de conteúdo, inclusive reinstaurando o canal de Trump em 2023 em preparação para as eleições presidenciais de 2024, a equipe jurídica da plataforma tentou repetidamente arquivar a ação coletiva ao longo dos anos. Contudo, os aliados de Trump, incluindo figuras como o Deputado Jim Jordan (R-OH) no Comitê Judiciário da Câmara, continuaram a pressionar o YouTube sobre suposta discriminação anti-conservadora, chegando a usar o poder de intimação para obter comunicações entre a plataforma e a administração Biden, buscando provas de interferência governamental na moderação de conteúdo.
Nos bastidores, a equipe do advogado John Coale persistia em questionar o YouTube sobre suas práticas de moderação, alegando que as políticas da plataforma ainda visavam conteúdo conservador. Coale, que trabalhou pro bono no caso, revelou que, embora essas questões não fossem impeditivos explícitos para o acordo, houve discussões extensas sobre a necessidade de a plataforma evitar “conluio com o governo, como fizeram com Biden e o FBI”. Ele baseou parte de sua argumentação em uma interpretação particular de uma decisão da Suprema Corte que, segundo ele, estabelece que um ator privado que colabora com o governo a ponto de ser influenciado a agir, passa a ser tratado como governo para fins legais, perdendo assim o direito de alegar que a Primeira Emenda não se aplica por ser uma empresa privada.
Entretanto, essa interpretação foi contestada. O professor Mark Lemley, de Stanford, ao ser questionado sobre a descrição de Coale da suposta decisão da Suprema Corte, afirmou que a lei não corroborava tal leitura. Ele mencionou que o caso mais próximo seria sobre a “persuasão coercitiva” governamental, citando o caso *Murthy v. Missouri*, onde procuradores-gerais estaduais conservadores processaram a administração Biden por supostamente pressionar empresas de mídias sociais a reprimir desinformação sobre a COVID. No entanto, em 2024, a Suprema Corte decidiu contra os conservadores neste caso. Mesmo que a decisão fosse favorável a eles, a questão seria sobre a legalidade da conduta governamental, não sobre a aplicação da Primeira Emenda a decisões privadas. As conversas nos bastidores com o YouTube, segundo Coale, mudaram notavelmente com o retorno de Trump ao cargo.
Este acordo com o YouTube não pode ser descontextualizado das ameaças regulatórias mais amplas enfrentadas por sua empresa-mãe, Alphabet. Recentemente, a Google evitou uma cisão em seu caso antitruste principal, quando o Juiz federal Amit Mehta decidiu que não seria obrigada a vender o Chrome ou o Android, apesar de ter determinado anteriormente que a empresa detinha um monopólio ilegal sobre os motores de busca. Contudo, o Departamento de Justiça continua a argumentar em um julgamento separado que a Google deveria ser forçada a vender seu sistema de intercâmbio de anúncios digitais, AdX, após uma decisão da Juíza Leonie Brinkema indicar que a Google detinha um monopólio ilegal em dois mercados de tecnologia de anúncios.
Além disso, mesmo que a Google vença esses casos, o Departamento de Justiça pode apelar – figuras políticas como a Senadora Elizabeth Warren (D-MA) já estão pressionando o DOJ para recorrer das sentenças no caso do Search. Conforme um lobista republicano da tecnologia, o Google sempre permanecerá sob a ameaça desta administração, mencionando que a Federal Trade Commission (FTC) poderia instaurar outras ações, dada sua composição de populistas anti-Big Tech, como o Presidente Andrew Ferguson. Até o momento, nenhuma ação foi tomada pela FTC, mas “a ameaça está sempre presente, é uma arma na mesa”, segundo o lobista. O Departamento de Justiça dos EUA atua para prevenir condutas anticompetitivas em mercados estratégicos.
Na semana anterior ao anúncio do acordo, o YouTube já havia indicado que ofereceria a criadores banidos por políticas de desinformação sobre COVID e negação de eleições um caminho de retorno à plataforma. Em uma carta enviada ao Comitê Judiciário da Câmara, os advogados do YouTube descreveram uma “mea culpa”, alegando que a administração Biden e a Casa Branca exerceram “pressão repetida e consistente” para que eles removessem conteúdo de direita, criando um clima político que buscou influenciar as ações das plataformas. Em resposta, o Deputado Democrata Jamie Raskin acusou os Republicanos de forçarem uma “confissão falsa e coagida” da Alphabet, afirmando que a carta era “radicalmente inconsistente com o testemunho real” de funcionários da Alphabet em investigações anteriores.
Apesar da doação de milhões para o projeto do salão de baile, não há garantias de que a Alphabet evitará futuros litígios federais. O lobbyista republicano enfatiza que a administração de Trump é altamente política e está focada em ações que satisfaçam o ex-presidente, especialmente dado seu histórico de ser suscetível à lisonja, independentemente de inclinações políticas. Trump, segundo observadores, se satisfaz tanto com a “perseguição de seus inimigos” quanto, talvez mais, com doações substanciais como esses US$ 22 milhões para seu grandioso salão de baile. Segundo Coale, “todos estão felizes. O presidente está feliz. Os outros autores da ação estão felizes.”
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Em suma, o acordo entre YouTube e Donald Trump não só resolveu uma disputa de grande visibilidade, com um montante substancial sendo direcionado a um projeto pessoal do ex-presidente, mas também iluminou a complexa e contenciosa relação entre a indústria de tecnologia e o cenário político americano. Para se aprofundar nas nuances da política e suas implicações em diversos setores, continue acompanhando nossa editoria de Política para as últimas análises e desenvolvimentos.
Crédito da imagem: Getty Images
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