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A decisão de **Mark Zuckerberg em apresentar demonstrações ao vivo na Meta Connect** ressaltou uma filosofia de autenticidade que tem sido debatida na indústria de tecnologia. Embora envolva riscos evidentes de falha, essa abordagem busca resgatar a empolgação de eventos onde o imprevisível pode ocorrer, distanciando-se das apresentações roteirizadas e superpolidas que se tornaram a norma pós-pandemia.
A percepção da plateia é fundamental: ver uma demonstração “ao vivo” concede uma dose de realidade inigualável, sugerindo que o que é exibido existe e funciona fora de um ambiente controlado. Segundo o editor sênior Sean Hollister, do The Verge, um dos pioneiros no jornalismo de tecnologia após quinze anos cobrindo para veículos como CNET, Gizmodo e Engadget, essa é a energia que faltava em muitos lançamentos de produtos desde a pandemia de Covid-19, período em que grandes empresas como a Apple passaram a entregar keynotes pré-gravadas.
Zuckerberg e o risco das demonstrações ao vivo na Meta Connect
Na Meta Connect, ao abrir o keynote com um tour virtual ao vivo através de seus novos óculos inteligentes, Mark Zuckerberg buscou evocar o espírito de eventos memoráveis de anos anteriores. Essa estratégia foi observada por Hollister em 19 de setembro de 2025, remetendo-o diretamente ao ano de 2012, quando Sergey Brin, na Google I/O, impactou o mundo tecnológico. Brin apresentou atletas saltando de uma aeronave, pedalando pela cobertura e descendo o Moscone Center em São Francisco, tudo transmitido ao vivo via seus óculos Google Glass. Aquele foi um momento singular, amplamente elogiado por publicações especializadas como a TechCrunch, que proclamou “Google Wins The Internet With A Live Skydiving Demo Of Google Glass”, e The Atlantic, com “Google One-Ups Apples Famed Keynotes”, marcando um precedente para o risco calculável em demos de alto impacto.
O Retorno à Adrenalina do Inesperado
O apelo de demonstrações ao vivo reside na possibilidade de falha. Um pequeno erro não só é perdoável, como pode, ironicamente, fortalecer a credibilidade do produto. Ele reforça a ideia de que todo o restante apresentado é igualmente autêntico. Contudo, essa aposta só vale a pena se a recompensa for proporcional ao risco. Para Zuckerberg, a intenção de inovar com um dispositivo que remete aos óculos do Google e de parecer mais corajoso e inteligente que a concorrência — especialmente com a Apple sendo criticada por seu desempenho em inteligência artificial nos últimos anos e o Google se mostrando mais reticente após erros factuais em suas próprias demos de IA — era compreensível. No entanto, o problema não foi a ocorrência de falhas, mas a falta de preparo para lidar com elas.
As Demonstrações Problemáticas da Meta Connect
Durante a apresentação da Meta Connect, vários momentos expuseram a fragilidade da abordagem de Zuckerberg. Uma das tentativas envolveu múltiplas chamadas de vídeo entre os óculos do CEO e o CTO da Meta, Andrew Bosworth. Apesar de chamadas de vídeo serem tecnologias bem estabelecidas, as tentativas de conexão em tempo real durante a demonstração mostraram-se repetidamente instáveis. O resultado de uma eventual conexão bem-sucedida seria apenas a demonstração de uma funcionalidade relativamente comum, tornando o risco da falha desproporcional à inovação que seria apresentada.
Outra situação que chamou a atenção foi a demo culinária com o chef Jack Mancuso. O objetivo era mostrar como os óculos Meta poderiam auxiliar na criação de um molho de bife com inspiração coreana, analisando os ingredientes e guiando-o por uma receita. No entanto, a voz da inteligência artificial informou Mancuso que ele já estava no meio da receita, deixando-o repetidamente a indagar: “O que eu faço primeiro?”. O momento foi, no mínimo, embaraçoso.
Para agravar a situação, Zuckerberg e Mancuso atribuíram o insucesso à conexão Wi-Fi. Essa justificativa, no entanto, foi prontamente descredibilizada por especialistas e técnicos acompanhando o evento. Assistentes de voz, em caso de perda de conexão, tendem a parar de funcionar completamente, em vez de gerar respostas errôneas ou ilógicas. Além disso, a credibilidade da demo já estava comprometida por uma observação de John Walker, da Kotaku. Ele apontou para garrafas de molho de gergelim e shoyu claramente rotuladas e posicionadas em frente à câmera, junto a um tempero com a marca “Cuso” (do chef Mancuso). Outros ingredientes — cebolinha, limões, alho, sal, pimenta, e talvez uma batata e mel — acompanhavam um sanduíche de bife que parecia sem apetite. A encenação óbvia da demo contradizia a busca por autenticidade.

Imagem: Bloomberg via Getty Images via theverge.com
Quando o Risco se Alinha com a Recompensa: Lições Históricas
Apesar dos tropeços, Hollister ressalta que as falhas nem sempre representaram um problema para a Meta, ou pelo menos não um fracasso do produto em si. Para ele, as dificuldades momentâneas tornaram as demonstrações bem-sucedidas ainda mais impressionantes. Ao presenciar as instabilidades, o observador gasta menos tempo conjecturando sobre possíveis encenações – como a de Zuckerberg rabiscando uma mensagem invisível com sua nova pulseira neural – e mais tempo maravilhado quando a tecnologia efetivamente funciona, como quando os óculos Meta capturaram e transcreveram a fala das pessoas em tempo real. A admiração aumenta pela convicção da realidade. Quando Bosworth pediu desculpas por um deslize no controle de uma demo, a reação foi a confirmação da autenticidade, provando que o resultado era satisfatório o suficiente para justificar o risco.
A postura de culpar o Wi-Fi e tentar incessantemente uma demo falha ecoou uma situação similar com Steve Jobs em 2010. Na ocasião, Jobs enfrentou problemas para carregar o The New York Times em seu recém-lançado iPhone 4 e atribuiu a falha à interferência da rede Wi-Fi. Sem um plano de contingência para o insucesso, ele chegou a interromper o evento e solicitou a todos os jornalistas na sala – que, segundo ele, haviam trazido 570 hotspots Wi-Fi – que desativassem seus equipamentos sem fio.
Contudo, a atitude de Jobs tinha um propósito maior. Após cerca de vinte minutos e outras demonstrações sem fio, ele revelou o “one more thing”: a primeira chamada de vídeo entre dois iPhones, apresentando publicamente o FaceTime. Em um período onde a tecnologia de chamada de vídeo era uma novidade considerável (mesmo que já existente), o impacto e a novidade do FaceTime justificaram plenamente a ousadia de interromper a keynote e o risco assumido.
Autenticidade vs. Perfeição na Era da IA Generativa
O jornalista de tecnologia Sean Hollister expressa a esperança de um retorno às demonstrações ao vivo. Afinal, a maioria da audiência entende que software é complexo, hardware ainda mais, e que falhas acontecem. Em muitos casos, os deslizes são a prova da autenticidade do produto. Em um mundo onde a inteligência artificial generativa e a “fumaça e espelhos” das encenações se tornaram comuns, a comprovação da realidade de um produto é um valor cada vez mais precioso. Assim, é preciso ser ousado ao apresentar inovações verdadeiramente revolucionárias, como os skydivers do Google Glass ou a primeira chamada FaceTime, mas estar preparado para seguir em frente quando a demo oferece pouco mais que um “cozinhando meio encenado” ou “apenas mais uma chamada de vídeo”.
As demonstrações de Mark Zuckerberg na Meta Connect evidenciaram que, enquanto a coragem de apresentar produtos em tempo real pode gerar engajamento, a preparação para o infortúnio e a capacidade de alinhamento entre risco e recompensa são cruciais para o sucesso. Para continuar explorando análises aprofundadas sobre o cenário tecnológico e o impacto de gigantes da indústria, acesse mais conteúdo em nosso portal, clicando aqui.
Crédito da Imagem: Bloomberg via Getty Images
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